quarta-feira, 5 de dezembro de 2018


Resenha do Romance Senhora de José de Alencar

 Por Prof. Ms. Carlos Henrique Ferreira Nunes[1]

         Senhora é um romance escrito no século XIX, pelo escritor romântico, José de Alencar. Trata-se da saga de uma heroína: algo pouco comum naquela época na qual imperava o machismo na sociedade brasileira do período imperial.
O romance se divide em quatro partes que simbolizam transações financeiras, e portanto, o ambiente no qual a obra foi desenvolvida - a corte carioca do período imperial, formada por uma aristocracia com aspiração à classe burguesa. Aliás, o romance em questão figura como urbano ou de costumes, retratando exatamente o pensamento aristocrata e burguês naquele instante histórico. Com poucos personagens de destaque, pode-se afirmar que todo o enredo gira em torno do casal Aurélia Camargo e Fernando Seixas.
 A protagonista da narrativa (Aurélia Camargo) era uma menina pobre, criada apenas pela mãe, pois seu pai havia morrido e sua mãe nunca fez questão de procurar a família dele, pois sua união não era bem vista pelas diferenças de classe social. No auge de sua adolescência e com uma beleza fascinante, a jovem despertava interesse em muitos solteiros disponíveis na cidade do Rio de Janeiro, em especial, o jovem e ambicioso Fernando Seixas, que chega a noivar com nossa heroína.
 No entanto, o compromisso foi rompido quando Fernando recebe uma proposta para casar-se com uma moça da sociedade pela quantia de uma dote de 30 mil contos de réis. E assim o fez, abandona a pobre Aurélia. Mas o destino de repente a surpreende: recebe a notícia de que seu avô paterno havia falecido, e não tendo herdeiros, toda a sua fortuna lhe cai nas mãos. Torna-se-ia não só a mais bela, mas, também a mais rica moça em disponibilidade da corte.
A partir daí, suas idas às festas eram rodeadas de candidatos a lhe desposar. Porém, a bela Aurélia não era nada ingênua, sabia muito bem administrar seus bens e fortuna, e observava com desprezo todos aquele homens oportunistas que certamente buscavam ascensão através sua beleza e riqueza. A protagonista ironizava e dizia-lhes na “cara” o quanto valiam, ou quanto poderia pagar de dote para se casar.  
Apesar dos flertes constantes, a jovem nunca havia tirado de seu pensamento seu ex-noivo – Fernando Seixas. Este, no entanto, ainda não havia se casado, mas sim encontrava-se noivo de outra moça – Adelaide Amaral. Através de seu tio e tutor, o Sr. Lemos, Aurélia faz uma contraproposta: que Fernando deixasse Adelaide para se casar com uma moça rica da sociedade(ela própria), sem que, no entanto, ele soubesse de quem se tratava: algo que somente lhe seria revelado diante do altar. E assim acontece, o jovem ambicioso aceita o trato pela quantia de 100 mil contos de réis, dos quais de imediato adianta 20 mil para pagar dívidas urgentes.
O casamento acontece, mas somente no papel, durante longos meses Aurélia Camargo exige de Fernando a respeite diante do público e nos  meios sociais, no entanto, no interior de sua casa tratam-se como estranhos. A indiferença de Aurélia, e o fato de desta ficar lembrando insistentemente  o fato de que o rapaz de vendeu por duas vezes seguidas o machuca por dentro. A dor tem um efeito catártico (de transformação do personagem), que o faz aos poucos mudar seu caráter: começa a trabalhar e juntar dinheiro para tentar se tornar independente da esposa, e assim lhe devolver a quantia adquirida com o dote. Evidente que sendo um romance romântico tudo dá certo no cair do pano: o sofrimento é transformado em alegria; a dor do casal em felicidade completa.
Ainda assim, vale a pena re-visitar este clássico. Na minha modesta opinião, o melhor romance de Alencar. Teria minhas críticas a fazer, no entanto, devemos ter em conta a época, o contexto histórico e a formação do autor para compreender a ausência de personagens negros (naquele momento oficialmente escravos); as personalidades um tanto simplistas demais e delineadoras de clichês que vão desamarrando um enredo no qual já se prever o fim. Apesar disso, a análise estética e literária aponta para recursos preciosos em seu estilo, como uma linguagem poética inscrita em sua narrativa, bem como as representações pré-realistas das tradições e a cultura na corte como similares a realidade na qual se vivia no Rio de Janeiro no período imperial. Além disso, é a própria protagonista através  lances irônicos que nos garante uma certa diversão e leveza ao tom discursivo do texto.
Aurélia encarna a típica heroína romântica e moderna, cuja a grande tarefa é emancipar-se dos desmandos de seu tutor e do marido para tornar-se algo além de um objeto, ou seja, sujeito e senhora capaz de determinar para si qual seu futuro.

REFERÊNCIA:


ALENCAR. José de. Senhora/ Iracema. Clássicos Scipione. (Textos integrais). Introdução e comentários de José de Nicola. 1º ed. São Paulo: 2003.





[1] Graduado em Letras português/ inglês pela Universidade Estadual de Alagoas(UNEAL); especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Barão de Mauá – SP; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL); professor da rede pública municipal de Arapiraca.


quarta-feira, 21 de novembro de 2018


RESENHA DO LIVRO HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS DE EDGAR ALLAN POE

Por Carlos Henrique Ferreira Nunes[1]

            Trata-se de um livro muito bom, que teve como tradutora e adaptadora nada menos que a escritora Clarice Lispector; aquela mesma, que escreveu A hora da estrela, Felicidades Clandestina, Laços de Família e tantas outras obras fantásticas de nossa literatura moderna em sua terceira fase. Este livro, como já mencionado, fora adaptado com o propósito de tornar o texto de Poe, de certo modo, mais adequado ao público infanto-juvenil para que este tivesse contato com um gênero que talvez hoje seja mais explorado e tenha muitos adeptos, mas que até então, voltava-se mais aos clássicos ou histórias de aventura, falo do gênero contos de terror e mistério.
            Bem, o próprio autor, Edgar A. Poe, tem sua vida marcada pelo mistério e por uma atmosfera sombria, pois tal qual acontecia com muitos escritores do período romântico, a melancolia e a morte sempre o acompanharam, sobretudo, quando estas vem impactadas por circunstâncias tais como a doença e morte de sua mãe, o desaparecimento de seu pai; a morte prematura de sua esposa; o vício do álcool e do ópio, a boemia típica dos intelectuais do séc. XIX (Século do romantismo e do mal-do-século, que era a tuberculose). Este escritor norte-americano nascido em Boston em 1809, foi e é até hoje, considerado um percursor das histórias de terror, suspense e investigação policial, tendo inspirado dezenas e milhares de outros autores, ao teatro e ao cinema, que tem no investigador Dupin certamente a montagem estrutural de um personagem típico das histórias de investigação policial que se assiste hoje em seriados na TV.
            O livro inicia com uma introdução escrita por nada menos que o poeta Charles Baudelaire, ícone da poesia lírica moderna francesa e universal, na qual admite a respeito de Poe que o seu “(...) vasto saber, o conhecimento de várias línguas, os sólidos estudos, as ideias colhidas em diversas viagens por outros países faziam de sua palavra um ensinamento incomparável (...)”. A obra conta com uma seleção de 18 contos distribuídos ao longo de 161 páginas. Para mim é difícil escolher os melhores: são todos, a seu modo, espetaculares. Mas gostaria de registrar a importância pessoal de dois deles, pois, estes me serviram de inspiração e base para a produção de duas adaptações teatrais, a saber, são os contos O gato preto, cuja a imagem do felino ilustra a capa deste livro publicado pela Editora Ediouro em 2005; e o outro, intitula-se Nunca Aposte a cabeça com o Diabo. Além da tensão psicológica típica de seus contos, com estes dois em particular pode-se visualizar bem as ações. Então, a partir da organização de um roteiro e adaptação textual da prosa (narrativa) para o discurso direto e dialogado do teatro pôde-se pôr em ação no palco seus personagens. No entanto, ressaltamos que alguns personagens tiveram seus nomes criados para adaptação, pois na maioria dos contos de Poe estes não têm seus nomes mencionados. Além disso, sabe-se que os contos têm por característica o fato de possuírem poucos personagens, assim a ação é bastante focada em torno de um único acontecimento, bem diferente do romance, que pode variar na quantidade de personagens e narrativas que se entrecruzam na obra (BAKHTIN, M. 2002).
            Importante destacar nesta obra, o que a torna indispensável à leitura, é também o fato de nela está presente uma obra-prima, exatamente a que compõe as histórias de investigação policial que terão como grande figura o investigador Dupin; trata-se de Os crimes da rua Morgue. Esta narrativa um pouco mais longa do que as demais, mas não menos interessante, na qual nosso detetive vai no encalço de um assassino em série, responsável por mortes misteriosas. A maioria dos contos é curto, no entanto, são bastante densos e exigem de nós uma imaginação criativa para produzir determinadas imagens, nas quais, mesmo o seu autor tendo escrito há tanto tempo não perdem seu vigor e atualidade. Poe, assim como grandes escritores da envergadura de Shakespeare puderam através de seus personagens colocar lado a lado ficção e realidade, e desse modo, nos colocar também diante de um espelho para encarar frente a frente nossos medos, angústias, nossas fraquezas, e com elas a possibilidade de refletirmos diante da fragilidade humana e de sua inclinação para o mal.
Com narrativas ora em primeira pessoa, ora em terceira pessoa, mas que mantem igual realismo, uma das características mais interessantes que constituem a narrativa de Poe é que esta (propositalmente) nunca nos deixa claro se os fatos ali ocorridos são em consequência de algo sobrenatural (intervenção do Diabo ou de Deus) ou simplesmente seriam os frutos ou as flores do mal[2] colhidas por aqueles que as plantaram. Todos os seus personagens têm em comum uma terrível obsessão por algo: animais, jogos, bebidas, mulheres, dinheiro. Não importa o vício, podemos tirar como lição de suas obras que, seja qual for o vício (obsessão), quando este é levado às últimas consequências o resultado é sempre trágico. E quantas vezes nós, em algum momento da vida, ou agora mesmo não nos prendemos de modo “cego” a algo? Vale muito apena ler este livro, sempre que o lemos descobrimos detalhes que só a maturidade e o passar do tempo nos revelará com mais clareza.

REFERÊNCIAS:
Poe, Edgar A. Histórias extraordinárias. Tradução e adaptação de Clarice Lispector. (Clássicos para o jovem leitor). Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 6° Ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes: 2011.




[1] Graduado em Letras português/ inglês pela Universidade Estadual de Alagoas(UNEAL); especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Barão de Mauá – SP; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL); professor da rede pública municipal de Arapiraca.
[2] Consequências do caos da vida moderna: consumismo, desemprego, guerras, egocentrismo etc. Este é o título do livro de poesia de Charles Baudelaire, escrito em Paris – capital do capitalismo moderno no século XIX.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

CAPITU 

Vossos olhos me lembram

A ressaca das ondas,
Lembram-me luas redondas.

E quero tê-los descansados;

Castanhos, brilhantes,
Pousarem nos meus.

Vossos olhos me lembram

Imensas cascatas
De águas plácidas
que docemente se quebram

E quebra-se meu coração

E quebra-se a fortaleza.

Vossos olhos me lembram

Um sol ameno
Uma luz benigna
Que já não é mais a mesma
Mas também não sou o mesmo.

(NUNES, C.H.F. Cantos Juvenis (poesias). 1º ed. Arapiraca: Edições Livres: 2018.)


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Olá amigos e amigas!!! Todos que são apaixonados pela Literatura e pela arte em geral. Este Blog foi criado com o intuito de servir como difusor de resenhas, eventos e análises acadêmicas (científicas) de grandes obras, sejam clássicos ou obras mais contemporâneas. Além disso, pretendo utilizá-lo como ferramenta pedagógica junto a meus alunos divulgando seus textos ou os meus realizados individualmente ou em co-autoria. Sejam bem-vindos!