quarta-feira, 26 de junho de 2019


MEMÓRIAS DE IRENE (1° PARTE)



      Eu sou natural da Lagoa da Canoa. Tive trinta irmãos: vinte e sete já falecidos e três vivos. Minha mãe morreu faz vinte e um anos. Ela é de Alagoas, da cidade de Branquinha. Meu pai só vim conhecer na Lagoa da Canoa. Teve três mulheres, por isso que teve muitos filhos. Minha mãe casou com ele sabendo que  já tinha vinte e seis filhos.  Com um mês de namoro eles casaram. Quando a minha avó morreu ele casou de novo, e ainda teve cinco filhos. 
       Quando a minha irmã casou eu ocupei o lugar dela como professora; eu não era formada ainda, tinha somente o quarto ano primário. Nessa época, o Dr. Coaracy, sobrinho do meu pai, me chamou para eu ser professora primária. Eu disse: "como é que eu posso ser professora, se eu não sou formada?" Então ele disse:  "não, se você gostar"... "Aí eu gostei!"
      Na minha infância, eu me lembro que o meu irmão, José Ferreira Barbosa, que é dono aí dos dois cinemas, me botou para estudar no instituto São Luiz. Com uma semana de estudo o professor Manoel me chamou para fazer um bate papo sobre matemática, aí me perguntou: "Dona Irene, quantos é sete vezes sete?" Eu, no primeiro ano, não acertei quanto era sete vezes sete,  levei um bolo, e fui expulsa só por isso; levei um bolo e fiquei com a mão inchada. Era na base da palmatória.
     Eu era moleca, não me lembro muito bem. Lembro que uma vez um bandido fez um bilhete para o meu cunhado. Ele disse que não dava dinheiro para bandido não, que ele tinha quatro filhos para criar. Se o bandido quisesse dinheiro que fosse trabalhar. Quando foi na outra semana, Maria Bonita entrou no Girau e disse: "Onde é a loja Elos Maurício?" Disseram: "é aquela!" Aí Maria Bonita começou a atirar. Todo mundo foi embora, e ela deu as fazendas todas do meu primo. Disse: "chega povo!". Quem tinha consciência devolveu, quem não, ficou com parte das fazendas dele. Meu primo teve tanto desgosto que escreveu uma carta a Dom José Maurício da Rocha, em Bragança Paulista, e este denunciou ao presidente da República, o Vargas. Uma semana depois a polícia matou o Lampião e a Maria Bonita.
       Quando eu comecei a estudar no Bom Conselho as meninas vinham por aqui, onde hoje é a praça Luiz Pereira Lima, e os meninos pela rua estudante. Eram duas praças: uma masculina e outra feminina; não podia homem e mulher andar juntos. Para entrar no Bom Conselho, o seu Abílio não deixava a gente entrar com unha pintada, nem de laço, tinha que ser todo mundo de farda; a manga comprida com uma gravata e boina somente para as passeatas.
     Passei onze anos como professora, depois me formei, terminei o ginásio, e finalmente me formei normalista. Chegou o colégio das freiras, e eu fiz o quarto ano de normalista lá. Depois o Dr. Moacir trouxe o pedagógico para cá. Então me formei no pedagógico; o primeiro e o segundo ano fiz aqui, já o terceiro eu fui fazer em Bom Conselho, Pernambuco. Posteriormente veio a faculdade. Era na escola Hugo Lima. Eu não fiz faculdade lá.  Mas somente quando ela foi para o Alto do Cruzeiro, fui fazer o curso de Letras. A minha mãe precisou de mim quando estava doente, então eu não concluí o quarto ano, por isso eu não tenho a licenciatura plena, tenho só a curta. Formei-me em Letras, ensinei onze anos pelo município, vinte e dois pelo estado e oito pelo Colégio Bom Conselho.

(Texto adaptado e baseado em trecho de ENTREVISTA concedida por I.B.V no ano de 2005, para a realização de Trabalho de iniciação científica (pesquisa)  intitulada “A memória do agreste alagoano a partir da narrativa dos velhos”, realizado por Carlos Henrique Ferreira Nunes (Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL) sob orientação do Prof. Dr. Artur Bispo dos Santos Neto, e financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa de Alagoas (FAPEAL).

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O PRIMEIRO DIA





Todos os dias, lá em casa, acordávamos cedo. Meu pai trabalhava de motorista de taxi; minha mãe costurava roupas por encomenda e fazia sapatilhas de tecido artesanal. A produção era bem pequena, poucas máquinas e equipamentos, poucas ajudantes. Meu pai não se metia nesses serviços, de jeito nenhum. Nós, os filhos, éramos três meninos, e por uma questão de valores “machistas da época” também não nos metíamos com o trabalho da mãe. Mas ajudávamos com alguns trabalhos domésticos. Enfim, a maior parte das tarefas domésticas ficava mesmo por conta da mãe, que através de suas costuras ajudava a complementar a renda familiar, e assim termos algum privilégios, alguns “luxos”, que hoje têm pouca importância, como colocar duas colheres de achocolatado no leite que tomávamos antes de dormir, mas, naquela época em que eu tinha entre 5 e 6 anos fazia muita diferença para mim e meus irmãos.
Eu estava prestes a ingressar no grupo escolar do bairro. Assim era chamada toda escola que tinha do 1° ao 5º ano (na época dizia-se da 1ª à 4ª série). Tinha concluído a escolinha (pré-escolar), que era o preparatório para o ingresso no grupo escolar municipal. Estava ansioso por começar logo o primeiro ano.
Quando minha mãe pedia para eu ir comprar pão, bem cedinho, eu avistava algumas crianças, acompanhadas ou não, mas geralmente em grupos se dirigindo à caminho da escola, que ficava pertinho da minha casa. No caminho ia sentindo os diversos aromas de café, ovos fritos e pães assados que exalava das casas da vizinhança, boa parte amontadas e apertadas umas juntinhas das outras, as casas sequer tinham muros, e eram praticamente idênticas, com portas de madeira envernizadas ou pintadas com tintas coloridas. Só se diferenciavam pelas cores.
Naquele percurso eu ia me perguntando: quando será que estarei estudando ali (Na escola)? Será que irá demorar? E, sinceramente, não via a hora. Eu nunca entendi porque algumas crianças ao chegarem à escola caiam no choro. Choro que, às vezes, durava semanas. Eu nunca tive este problema. Segundo mamãe, eu ficava era insistindo em ir à escola o quanto antes. O que poderia me acontecer lá? A escola é um lugar cheio de crianças, e onde se vai para aprender coisas novas, onde se pode estudar e sonhar em ser o que desejasse, ao menos, era o que eu imaginava.
Lembro-me que nessa época eu gostava muito de assistir desenhos animados, sobretudo, aqueles da Disney: Mickey Mouse, Donald, Pateta, e os desenhos de super-heróis tais como Homem-Aranha, Superman, Batman etc.  Não raro me imaginava um desses heróis a combater o crime. Quem nunca se imaginou? Imaginava-me também sendo um cientista a criar espaçonaves para explorar o universo e sair por aí, e talvez, tal qual Dom Quixote das estrelas, combater monstros e extraterrestres. Também nessa mesma época eu gostava de desenhar. Sobretudo, esses desenhos animados que tanto gostava de assistir.
Eu tinha um tio por parte de mãe, que na época não tinha filhos, e nos dávamos muito bem. Lembro dele reclamar para meu pai porque não nos dava uma pequena mesada. Além disso, meu tio era metido a artista como eu. Aliás, não exatamente como eu. Ele era serigrafista, e entendia mais tecnicamente de desenho industrial.  Ah, meu tio tinha uma pequena oficina de calçados onde fabricava sandálias masculinas de couro de boi – as famosas show-bois – e chuteiras. As melhores da região. Quando eu era garoto nunca precisei comprar uma chuteira, sempre ganhava do meu tio.
Enfim, chegara o grande dia. Meu primeiro dia na nova escola. Meu coração batia acelerado. Tudo era novidade e expectativa. Quem seria minha professora ou professor? Quem seriam meus novos colegas? Eram muitas as novidades e meu coração parecia não se aguentar, batia bem mais acelerado do que o de costume.

Por Carlos Henrique Ferreira Nunes




FOTO NOVELA inspirada no Filme clássico ET

Trabalho realizado pelas alunas do 7° ano "a": Mariana Letícia de Sousa Teles e Letícya Vitória Alves da Costa,  da escola municipal José Pereira Sobrinho (Sítio Baixa do Capim - Arapiraca - AL)