RESENHA
DO LIVRO HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS DE EDGAR ALLAN POE
Por Carlos Henrique Ferreira Nunes[1]
Trata-se
de um livro muito bom, que teve como tradutora e adaptadora nada menos que a
escritora Clarice Lispector; aquela mesma, que escreveu A hora da estrela, Felicidades
Clandestina, Laços de Família e tantas outras obras fantásticas de nossa
literatura moderna em sua terceira fase. Este livro, como já mencionado, fora
adaptado com o propósito de tornar o texto de Poe, de certo modo, mais adequado
ao público infanto-juvenil para que este tivesse contato com um gênero que
talvez hoje seja mais explorado e tenha muitos adeptos, mas que até então,
voltava-se mais aos clássicos ou histórias de aventura, falo do gênero contos
de terror e mistério.
Bem,
o próprio autor, Edgar A. Poe, tem sua vida marcada pelo mistério e por uma
atmosfera sombria, pois tal qual acontecia com muitos escritores do período romântico,
a melancolia e a morte sempre o acompanharam, sobretudo, quando estas vem
impactadas por circunstâncias tais como a doença e morte de sua mãe, o
desaparecimento de seu pai; a morte prematura de sua esposa; o vício do álcool e
do ópio, a boemia típica dos intelectuais do séc. XIX (Século do romantismo e
do mal-do-século, que era a tuberculose). Este escritor norte-americano nascido
em Boston em 1809, foi e é até hoje, considerado um percursor das histórias de
terror, suspense e investigação policial, tendo inspirado dezenas e milhares de
outros autores, ao teatro e ao cinema, que tem no investigador Dupin certamente
a montagem estrutural de um personagem típico das histórias de investigação policial
que se assiste hoje em seriados na TV.
O
livro inicia com uma introdução escrita por nada menos que o poeta Charles Baudelaire,
ícone da poesia lírica moderna francesa e universal, na qual admite a respeito
de Poe que o seu “(...) vasto saber, o conhecimento de várias línguas, os
sólidos estudos, as ideias colhidas em diversas viagens por outros países
faziam de sua palavra um ensinamento incomparável (...)”. A obra conta com uma
seleção de 18 contos distribuídos ao longo de 161 páginas. Para mim é difícil
escolher os melhores: são todos, a seu modo, espetaculares. Mas gostaria de
registrar a importância pessoal de dois deles, pois, estes me serviram de
inspiração e base para a produção de duas adaptações teatrais, a saber, são os
contos O gato preto, cuja a imagem do
felino ilustra a capa deste livro publicado pela Editora Ediouro em 2005; e o
outro, intitula-se Nunca Aposte a cabeça
com o Diabo. Além da tensão psicológica típica de seus contos, com estes
dois em particular pode-se visualizar bem as ações. Então, a partir da organização
de um roteiro e adaptação textual da prosa (narrativa) para o discurso direto e
dialogado do teatro pôde-se pôr em ação no palco seus personagens. No entanto,
ressaltamos que alguns personagens tiveram seus nomes criados para adaptação, pois
na maioria dos contos de Poe estes não têm seus nomes mencionados. Além disso,
sabe-se que os contos têm por característica o fato de possuírem poucos
personagens, assim a ação é bastante focada em torno de um único acontecimento,
bem diferente do romance, que pode variar na quantidade de personagens e
narrativas que se entrecruzam na obra (BAKHTIN, M. 2002).
Importante
destacar nesta obra, o que a torna indispensável à leitura, é também o fato de
nela está presente uma obra-prima, exatamente a que compõe as histórias de
investigação policial que terão como grande figura o investigador Dupin;
trata-se de Os crimes da rua Morgue. Esta
narrativa um pouco mais longa do que as demais, mas não menos interessante, na
qual nosso detetive vai no encalço de um assassino em série, responsável por
mortes misteriosas. A maioria dos contos é curto, no entanto, são bastante
densos e exigem de nós uma imaginação criativa para produzir determinadas
imagens, nas quais, mesmo o seu autor tendo escrito há tanto tempo não perdem
seu vigor e atualidade. Poe, assim como grandes escritores da envergadura de
Shakespeare puderam através de seus personagens colocar lado a lado ficção e
realidade, e desse modo, nos colocar também diante de um espelho para encarar
frente a frente nossos medos, angústias, nossas fraquezas, e com elas a
possibilidade de refletirmos diante da fragilidade humana e de sua inclinação
para o mal.
Com
narrativas ora em primeira pessoa, ora em terceira pessoa, mas que mantem igual
realismo, uma das características mais interessantes que constituem a narrativa
de Poe é que esta (propositalmente) nunca nos deixa claro se os fatos ali
ocorridos são em consequência de algo sobrenatural (intervenção do Diabo ou de
Deus) ou simplesmente seriam os frutos ou as
flores do mal[2] colhidas
por aqueles que as plantaram. Todos os seus personagens têm em comum uma
terrível obsessão por algo: animais, jogos, bebidas, mulheres, dinheiro. Não
importa o vício, podemos tirar como lição de suas obras que, seja qual for o
vício (obsessão), quando este é levado às últimas consequências o resultado é
sempre trágico. E quantas vezes nós, em algum momento da vida, ou agora mesmo
não nos prendemos de modo “cego” a algo? Vale muito apena ler este livro,
sempre que o lemos descobrimos detalhes que só a maturidade e o passar do tempo
nos revelará com mais clareza.
REFERÊNCIAS:
Poe,
Edgar A. Histórias extraordinárias.
Tradução e adaptação de Clarice Lispector. (Clássicos para o jovem leitor). Rio
de Janeiro: Ediouro, 2005.
BAKHTIN,
M. Estética da Criação Verbal. 6°
Ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes: 2011.
[1] Graduado em Letras
português/ inglês pela Universidade Estadual de Alagoas(UNEAL); especialista em
Língua Portuguesa pela Universidade Barão de Mauá – SP; Mestre em Educação pela
Universidade Federal de Alagoas (UFAL); professor da rede pública municipal de
Arapiraca.
[2] Consequências
do caos da vida moderna: consumismo, desemprego, guerras, egocentrismo etc.
Este é o título do livro de poesia de Charles Baudelaire, escrito em Paris –
capital do capitalismo moderno no século XIX.