sexta-feira, 4 de outubro de 2019



A TERRA DOS MENINOS PELADOS. Graciliano Ramos. 1ºed. Cameron, Rio de Janeiro: 2018.

Este livro – A terra dos meninos pelados – do consagrado escritor brasileiro e alagoano Graciliano Ramos foge um pouco dos modelos narrativos de obras como Vidas secas, São Bernardo ou Histórias de Alexandre. Pois essa obra dar-se a entender voltada para as crianças. No entanto, quem disse que os adultos não precisam aprender sobre o lidar com “o diferente”?
         A história é desenrolada ao longo de 23 capítulos curtos, provavelmente uma forma de não cansar o leitor mirim ou menos habituado. Mas a história é fascinante e cheia de surpresas. Animais fantásticos (falantes), seres fantásticos (objetos falantes), uma princesa, e o seu narrador – Raimundo Pelado – um menino (criança) que se sente rejeitado pelos demais colegas por ser careca, e ter um dos olhos preto e o outro azul. De fato, algo bem inusitado. No caminho de volta da escola, ao se esconder de uns garotos, acaba se perdendo e indo por um caminho que mais parece um sítio distante. Mal sabia ele que aquele caminho o levaria uma terra mágica (Tatipirum) onde as pessoas e os seres que lá habitam teriam muita afinidade com ele, e enxergariam na sua excentricidade grande beleza.
         Um traço interessante da obra em questão é a construção de imagens narrativas de caráter pictórico, ou seja, que em suas passagens remetem a desenhos animados ou a pinturas surrealistas(retrata os sonhos). Um ótimo exercício de imaginação. Mesmo sendo eu adulto, acho que sou, eu particularmente aprecio desenhos animados e ler obras consideradas infantis. Mas devemos ter cuidado com obras que infantilizam as pessoas, ou seja, que não apresentam senso crítico, apenas reproduzem preconceitos e estereótipos da sociedade. O que não é o caso da obra A terra dos meninos Pelados.


         Esta obra, entre outras questões, trata das pessoas “especiais”, nos aponta que não há nada de mais em ser semelhante ao outro, igualmente não há nenhum problema em ser diferente. Em todos lugares que formos nos depararemos com ambas as situações. Isso fica claro, pelo fato de Raimundo descobri aquela terra maravilhosa, onde todos o respeitam, e têm traços físicos com o menino-narrador, e apesar do acolhimento, ele não quer deixar de voltar para casa, para a escola, e encarar o “choque” das diferenças. Será que aqueles meninos da escola ainda zombariam dele por ser diferente?

         Em Tatipurum, Raimundo fez muitas amizades. Ele vai embora, mas promete a todos voltar para visitá-los. Ele aprende a amar a singularidade de cada ser com qual estabeleceu amizade. E no fundo, isso é o mais importante. Esta obra pelo que percebemos é atualíssima, pois mais do que nunca vivemos o drama da exclusão social e do preconceito no nosso cotidiano: preconceito pela cor, sexualidade, origem social, pela linguagem, pelo grau de escolaridade, pela capacidade física. Enfim, é um combate o qual a educação tem um instrumento mais do útil, necessário – O livro – letramento literário e sensibilização através da arte. Eis o grande desafio.

RESENHA escrita por Carlos Henrique Ferreira Nunes.

domingo, 15 de setembro de 2019


UMA HISTÓRIA VITORIOSA(Aluna: Ana Clarisse Serafim Santos. 6° "b"; Escola José Pereira Sobrinho)



Meu nome é Eraldo Erasmo de Oliveira. Eu nasci em 1957, aqui mesmo no sítio Baixa do Capim, no município de Arapiraca, pertencente ao Estado de Alagoas. Por essa época prevalecia a cultura do algodão, do milho e do fumo. Aqui não havia cercas nas propriedades, mal existiam estradas ou calçadas; nem bicicletas se via por aqui. A maioria andava a pé e descalço.
Eu e muitas crianças daqui trabalhávamos para comer. Eu mesmo tinha vontade de ir à escola, mas não podia. Foi somente em 1972 que construíram uma escola, e mesmo velho eu comecei a estudar naquele ano. O terreno onde foi construída a escola fora doado por Miguel Januário, um grande companheiro e pioneiro aqui na nossa região. Ah, nas baixadas aqui do sítio havia uma área repleta de capim, por isso batizou-se a comunidade com este nome - Baixa do Capim. Criava-se gado ali, além do cultivo do fumo, como meios de sobrevivência para o povo.
Em 1975, minha primeira filha, Marileide, ia para a escola feliz, alegre e muito satisfeita. Mas quando teve que fazer o ensino médio ficou mais complicado: tinha que ir estudar na cidade. Eu tive que vender uma espingarda minha de estimação para lhe comprar passagens de ônibus para ir à escola. No entanto, vejo que valeu muito a pena. Ela foi a primeira a se formar. Tornou-se professora. Foi por esta época que havia chegado a energia elétrica. Antes disso se usava lampiões a gás ou querosene, ou mesmo velas. Para se tomar banho o costume era só fazê-lo de oito em oito dias. Banho de verdade com sabão feito de sebo. Enquanto isso nos banhávamos nos rios e açudes aqui da região durante o restante da semana.
Quando havia festa durante a Semana Santa, eu e meus amigos fazíamos bonecos de Judas com folhas de bananeira: isso era bom demais. Era a tradicional malhação do Judas. Sempre que íamos à festa, quando éramos adolescentes, tinha que ser acompanhado por um adulto, e muitas vezes meu pai não deixava sair, e eu e meus irmãos íamos para a rede chorar a noite inteira. A minha sorte e de toda a comunidade é que naquele tempo não havia tantos ladrões, mas se houvesse eles sairiam de bolsos vazios, porque a gente não tinha dinheiro, não tinha um tostão. Não nos preocupávamos como hoje com roupas ou bens materiais, tudo era mais simples e as pessoas mais humildes. Nas festas e bailes que íamos tínhamos sempre umas paqueras, mas quem namorava tinha que manter distância da namorada, pois era proibido ficar um encostado no outro. Um dia, enquanto curtia a festa, um primo meu chegou a mim e disse: "Oh, Pedrina está apaixonada por tu, viu". Eu respondi-lhe: "Eu, um pobre coitado?". Fiquei envergonhado, eu confesso. Mas graças ao meu primo-cupido hoje estou casado com ela.
Quando moleque a gente tinha medo de lobisomem e de um tal "vacinador". Quando diziam "lá vem o homem da vacina!", todo mundo corria, sobretudo as crianças. Esse medo era por causa das pessoas que ficavam inventando histórias fantasiosas sobre essas coisas. No caso do vacinador não era uma ficção, era um agente de saúde do governo. Mas quem era ignorante tinha medo de vacina. Às vezes, durante à noite, todos se sentavam em volta da fogueira. Certa vez, reunidos na frente de casa aparece no meio da noite uma luz estranha vindo em nossa direção, aí todos saíram correndo e entraram dentro de casa ou para dentro do mato, quando na verdade era somente um automóvel com seus olhos acesos, pois era raro aparecer algum ali, principalmente pela noite. No ano de 2000 fizeram aqui no sítio um restaurante chamado "Buchada do Vavá", que até hoje existe por preparar uma deliciosa Buchada de Bode. O mesmo se localiza em frente à escola e vizinho a igreja.
   Em 2004, como presidente da associação comunitária pude ajudar na construção de setenta casas de alvenaria, e assim, todos puderam ter sua própria casa. Tenho muito orgulho de contar para vocês minha história, relembrar as experiências pelas quais passamos e vivemos e que fazem parte de nós. São sempre lembranças as quais tenho prazer em contar para os mais novos, que muitas vezes ao ouvi-las, não têm ideia das lutas que travamos para que hoje muitos aqui da Baixa do Capim tenham o direito de estudar e trabalhar.

quarta-feira, 17 de julho de 2019


RESENHA DO LIVRO: JORGE COOPER – OBRA COMPLETA

JORGE COOPER E SUA SIMPLICIDADE DESCONCERTANTE[1]





 Jorge Cooper com seus versos curtos e poemas igualmente breves, com sua ironia fria e humor ora sério, ora sarcástico, pode ser considerado, sem a menor dúvida, um os maiores poetas de nosso modernismo tardio, e porque não dizer, pós-modernismo.
Se é possível compará-lo a outros poetas contemporâneos, sejam de nossa terra ou estrangeiros, é porque o discurso, como diria Mikhail Bakhtin, tem uma natureza dialógica. Mas por outro lado, é evidente a singularidade intrínseca a natureza estrutural ou seria des-estrutural que se impõe na poética coopernicana. Sua autenticidade advém de seu caráter, de seu jeito poético de ser. O poeta admite em entrevista concedida ao também poeta e jornalista Ricardo Oiticica, que jamais deixou de escrever, mesmo nos momentos difíceis.
Ledo Ivo considera Cooper um vanguardista, um poeta do cotidiano, do tempo presente, e portanto, dos dilemas de nossa vida. Aí percebe-se certo grau de realismo, talvez originado de sua simpatia pelo materialismo histórico de Karl Marx. O tempo representado em sua obra através da memória tátil das experiencias não é o tempo linear e bem calculado, mas antes é o tempo das emoções e sensações vividas e experimentadas pelos sujeitos em contextos reais.
Em Jorge Cooper, nos diz Ledo Ivo “partimos do sonho e da escuridão para a vida real e a claridade”. Sua poesia é um “tapa na cara” Com palavras breves e versos curtos e desconcertantes, com versos brancos e livres liberam a palavra de qualquer amarra, para que cumpram a função de dizer o que tem que ser dito:

Eu sou
nos meus poemas
Eles têm o número exato
de palavras e
o tamanho em que
a inspiração se coube
- Eles são como a clara e a gema
no ovo

(Precisamente assim
como eu caibo em mim)

Sua sonoridade e ritmo vem das assonâncias e consonâncias (repetição de sons vocálicos e consonantais) postas num mesmo verso, ou em versos intercalados, mas que garantem notável peculiaridade. Ele era de fato, como se pode perceber, um poeta liberto de regras. O seu padrão era não ter um padrão. Deixar que a palavra flua sem condicionamentos.
Que pena que este poeta alagoano não tenha tido o real valor reconhecido em vida, mas por outro lado, fiquemos felizes que a academia começa agora a resgatar o trabalho deste poeta por excelência, que fez de suas experiências a matéria viva capaz de fotografar e imortalizar imagens ao mesmo tempo tão cotidianas e atemporais. Vale apena apreciar e valorizar este nosso conterrâneo.

REFERÊNCIAS:
COOPER, Jorge. Poesia Completa. 2° ed. Imprensa Oficial Graciliano Ramos: Maceió, 2011.







terça-feira, 9 de julho de 2019

LIBERDADE

Quando Médici foi à feira deixou a gaiola aberta.
Comprando alpiste se lembrou...
Correu, correu...
E quando chegou: que alívio!
O pássaro ainda se encontrava lá
Em seu poleiro.
Já não lembrava o que é ser livre
Pois nascera em cativeiro.

Livro Cantos Juvenis (Poesias), p.13 - Carlos Henrique F. Nunes


Uma história passada a limpo

Aluna: Vitória Vieira dos Santos

     Existem várias maneiras de viajar... Hoje viajarei no tempo, lá no arruado de Utinga, no Município de Rio Largo, no Estado de Alagoas, em um pequeno local da zona rural chamado Gameleira. No ano de 1931 nascia Milton Monteiro da Rosa.
  Nesse lugar morava um povo simples – trabalhadores de uma usina –, onde as casas eram doadas de acordo com o cargo exercido na empresa. Então, você já imagina! Tinha ruas para os endinheirados e para os modestos. Os elitizados recebiam casas grandes e formosas, com jardim na frente e ruas calçadas. Já a moradia dos humildes operários era colada uma nas outras, dividindo uma só parede, com o mesmo modelo. Se você conhecesse a minha residência, não precisaria conhecer a do vizinho. Tínhamos terreno na frente de casa onde plantávamos de tudo o que você imaginar: frutas, verduras, hortaliças... Sem falar dos canaviais e das matas que cercavam esse local. As ruas eram de barro, não tinha esgoto. Inclusive, a minha era uma dessas.
  Naquele tempo acordávamos cedo com um maravilhoso cheirinho de café torrado. Ao tempo que obedecíamos a um ritual que gostaria que fosse eternizado: rezava, pedia a bênção aos meus pais e ia para a escola. No caminho cumprimentava a todos com um “bom-dia”. Eita dia bom!
   Chegando à escola, cumprimentava a professora, pedia licença e ia fazer a lição, já que o ensino era rígido, tudo à base do respeito. O que não me agradava eram as punições aplicadas àqueles alunos que faziam alguma travessura. A mestra colocava de castigo, ajoelhado em grãos de milho e de frente para os colegas, servindo de referência para aqueles que tinham a intenção de bagunçar.
  No entanto, ninguém aprontava para não ocupar aquele lugar. A vida aqui era muito tranquila, nosso relógio era o tempo. Aliás, que tempo! Não tínhamos
pressa, andávamos a pé, a cavalo ou de trem. Esses eram os únicos meios de transporte acessíveis.
A locomotiva funcionava a lenha e nela existiam duas camadas sociais: A e B. Na primeira classe iam os passageiros que tinham condições econômicas, com cadeiras acolchoadas. Já os da outra classe tinham bancos duros e com mais passageiros. Porém, todos chegavam aos seus destinos do mesmo jeito.
   Se bem me lembro, os costumes populares imperavam. As pessoas se conheciam e trocavam experiências sentadas à porta de seus lares. Os mais velhos contavam causos e lendas para os mais jovens e eles repassavam seus ensinamentos.
Brincávamos de boca de forno, o que é o que é, passa anel... Era uma interação só! Idosos, adultos, jovens e crianças, todos numa mesma emoção, que eu diria de diversão coletiva.
  Nessa época também as comemorações eram frequentes. A que mais gosto de lembrar é da Festa da Cana, concurso em que era premiado o povoado que trouxesse a maior cana. Ela deveria ser adubada e conservada para esse grande dia, que acontecia todo mês de dezembro. A usina convidava todas as pessoas dos povoados distantes. A alegria era garantida. Se alguém tentasse atrapalhar essa diversão, era punido na “baiaca”, local fechado, onde o transgressor recebia um banho de mel durante toda a noite. Podia ser até um engomadinho, era baiacado do mesmo jeito
e só libertado no outro dia, todo lambuzado e na hora de o trem passar, para servir de exemplo.
     Ah, se pudesse voltar no tempo... Traria de volta a tranquilidade das brincadeiras sem malícias no rio Mundaú, principal percurso de águas naturais que banha algumas cidades do meu Estado.
    Amava nadar nele, cujas águas eram tão límpidas e transparentes que dava até para contar pedrinhas
debaixo d’água. Enquanto isso, as mulheres lavavam roupas e cantavam músicas que a minha imaginação fluía. Não sabia se viajava em meus pensamentos ou mergulhava no rio de tanta inspiração. Eram sensações maravilhosas, momentos gostosos de liberdade...
   Hoje a modernidade me encanta e também me assusta. Tudo mudou! O trem é transporte igual para todos. Tenho televisão e vejo reportagens sobre a poluição do rio Mundaú e nem acredito que isso aconteceu. Agora sei das horas pelo relógio, vejo e converso com minha filha que está tão longe pelo computador. Coisas que jamais seriam pensadas... Paro e lembro-me de tudo como se fosse hoje...

(Texto baseado na entrevista feita com o senhor Milton Monteiro da Rosa, 62 anos. Texto finalista das Olimpíadas de Língua Portuguesa de 2014).
Professora: Jacira Maria da Silva
Escola: E. E. F. Marieta Leão – Rio Largo (AL)

Texto usado na oficina sobre narração em 1° pessoa e discurso direto! Primeira semana de julho de 2019.


Escola nossa de cada dia

Aluno: Rodrigo Piccoli Cavalini

      Blém, blém, blém! Tocava pontualmente às cinco e meia aquele sino inoportuno que arrancava sem dó nem piedade nossos sonhos e sono. Com o tempo começou a parecer mais sereno. Na verdade, era ele quem anunciava que mais um dia nascia no colégio interno Salesiano, em Jaciguá, lugarejo que acolheu muitos alfredenses. Levantava avidamente feito lebre, tinha cinco preciosos minutos para arrumar minha cama, calçar aqueles sapatos horríveis e sufocantes, saber que meus pés – sempre foram livres, descalços, que sentiram o orvalho da grama verde e o barro úmido durante toda a infância – ainda não se adaptaram bem a ficar embalados feito um produto.
    Vestia o uniforme e esperava a ordem de sair do dormitório. Ah! Como ainda queria ficar deitado
na minha caminha, que parecia mais aconchegante de manhã! Descíamos em fila, um silêncio profundo e devastador. Reuníamos-nos no pátio em círculo, sentados no chão de pedra polida com as pernas cruzadas, esperando o padre Patriarca chegar. Tão breve – sentíamos sua presença em meio ao círculo de “cordeirinhos” -, ali rezava, catequizava e refletia, o que me fazia recordar o sotaque ítalo-brasileiro de vovô Silvino.
    Certa manhã, a reflexão que fizemos foi sobre nossos medos. Medo? Eu só tinha um, o de escuro; sentimento meio contraditório para quem morava num lugar tão abençoado e iluminado por Deus como minha Nova Estrela do Espírito Santo. Digo “por Deus”, pois não havia postes de iluminação como hoje, fato que me rendeu momentos de pavor:
– Seu Zé, me dá sete roscas?
E lá ia ele com toda a sua habilidade de vendedor, pegava as roscas, grandes e robustas, passava um barbante entre elas e amarrava as pontas. Hoje consigo reconhecer nessa ação uma atitude “ecofuturista”, porque na época eu o achava um tremendo mão de vaca. Quando eu saía da venda, minha missão começava: enfrentar o caminho sombrio, de dar calafrios, da venda à minha bucólica casa. E eu ia em disparada, como cavalo entre os bananais, me atropelando nas orações. Quando chegava em casa, o pé, descalço, estava todo pocado e as unhas, ocas e esbranquiçadas como dentes de alho e serrilhadas como dentes de piranha. Levantei os olhos e ainda pude ouvir o padre dizer que devemos superar nossos medos.
    Blém, blém, blém! O sino das cinco e cinquenta avisava que era hora do delicioso café da manhã: pães saborosos, frutas tropicais, leite que nós mesmos tirávamos das vaquinhas e um café sabor de roça que me levava novamente às manhãs em minha casa:
– Peneira na mão, Luiz?
Sim. Eu e meu irmão Claudenir descambávamos do barranco no pequeno riacho, afluente do nosso rio maior, o Benevente, para começar nossa aventura de coletar peixes, munidos de peneiras feitas de taquara, produzidas por nossas mãos. Era pura emoção ver nossa arte finalizada. No final da manhã tínhamos jundiás, que eram os meus prediletos, não pelo sabor, mas por ter as cores do meu amado Flamengo. Além desses, o balde também abrigava carás, piabas e alguns pequenos, porém saborosos, caranguejos de água doce.
     Após o café da manhã, íamos finalmente estudar: biologia, português, matemática, latim...Às vezes me cansava. Minha sala de aula, bem diferente da de hoje, com alunos participativos; ao contrário, parecíamos múmias confinadas no silêncio, ou melhor, silentium.
    As aulas mais emocionantes da escola eram as de teatro; tínhamos apresentações mensais, e Shakespeare era o meu favorito. Havia também campeonatos de futebol, vôlei, handebol. Eu era um atleta, mas o speedball (jogo em que a bola ficava presa a uma corda fixa a um tronco de carvalho envelhecido) era o de que eu mais gostava.
A escola era realmente boa, mas ficar longe de minha família, das noites de reza na casa de vovô Silvino e das travessuras com os primos foi muito sofrido. Na primeira inacabável semana, eu chorava debaixo do cobertor, sentindo o ardor das lágrimas salgadas de saudade. Contudo, vi que podia fazer novas amizades, que a escola era minha nova família.
     Hoje, vejo com nitidez o quanto a disciplina muda o homem. Ele se torna mais responsável e atento. Ela me ajudou muito em minha inefável infância e em todas as difíceis, porém felizes fases de minha vida.

(Texto baseado na entrevista feita com o senhor de Luiz Claudio Boldrini, 51 anos. Finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa de 2014)

Professora: Silvia Angela Picoli Meneghel
Escola: E. M. E. F. Ana Araújo – Alfredo Chaves (ES)

Obs. Texto usado na oficina: contexto e descrição. 2° semana de julho de 2019.


quarta-feira, 26 de junho de 2019


MEMÓRIAS DE IRENE (1° PARTE)



      Eu sou natural da Lagoa da Canoa. Tive trinta irmãos: vinte e sete já falecidos e três vivos. Minha mãe morreu faz vinte e um anos. Ela é de Alagoas, da cidade de Branquinha. Meu pai só vim conhecer na Lagoa da Canoa. Teve três mulheres, por isso que teve muitos filhos. Minha mãe casou com ele sabendo que  já tinha vinte e seis filhos.  Com um mês de namoro eles casaram. Quando a minha avó morreu ele casou de novo, e ainda teve cinco filhos. 
       Quando a minha irmã casou eu ocupei o lugar dela como professora; eu não era formada ainda, tinha somente o quarto ano primário. Nessa época, o Dr. Coaracy, sobrinho do meu pai, me chamou para eu ser professora primária. Eu disse: "como é que eu posso ser professora, se eu não sou formada?" Então ele disse:  "não, se você gostar"... "Aí eu gostei!"
      Na minha infância, eu me lembro que o meu irmão, José Ferreira Barbosa, que é dono aí dos dois cinemas, me botou para estudar no instituto São Luiz. Com uma semana de estudo o professor Manoel me chamou para fazer um bate papo sobre matemática, aí me perguntou: "Dona Irene, quantos é sete vezes sete?" Eu, no primeiro ano, não acertei quanto era sete vezes sete,  levei um bolo, e fui expulsa só por isso; levei um bolo e fiquei com a mão inchada. Era na base da palmatória.
     Eu era moleca, não me lembro muito bem. Lembro que uma vez um bandido fez um bilhete para o meu cunhado. Ele disse que não dava dinheiro para bandido não, que ele tinha quatro filhos para criar. Se o bandido quisesse dinheiro que fosse trabalhar. Quando foi na outra semana, Maria Bonita entrou no Girau e disse: "Onde é a loja Elos Maurício?" Disseram: "é aquela!" Aí Maria Bonita começou a atirar. Todo mundo foi embora, e ela deu as fazendas todas do meu primo. Disse: "chega povo!". Quem tinha consciência devolveu, quem não, ficou com parte das fazendas dele. Meu primo teve tanto desgosto que escreveu uma carta a Dom José Maurício da Rocha, em Bragança Paulista, e este denunciou ao presidente da República, o Vargas. Uma semana depois a polícia matou o Lampião e a Maria Bonita.
       Quando eu comecei a estudar no Bom Conselho as meninas vinham por aqui, onde hoje é a praça Luiz Pereira Lima, e os meninos pela rua estudante. Eram duas praças: uma masculina e outra feminina; não podia homem e mulher andar juntos. Para entrar no Bom Conselho, o seu Abílio não deixava a gente entrar com unha pintada, nem de laço, tinha que ser todo mundo de farda; a manga comprida com uma gravata e boina somente para as passeatas.
     Passei onze anos como professora, depois me formei, terminei o ginásio, e finalmente me formei normalista. Chegou o colégio das freiras, e eu fiz o quarto ano de normalista lá. Depois o Dr. Moacir trouxe o pedagógico para cá. Então me formei no pedagógico; o primeiro e o segundo ano fiz aqui, já o terceiro eu fui fazer em Bom Conselho, Pernambuco. Posteriormente veio a faculdade. Era na escola Hugo Lima. Eu não fiz faculdade lá.  Mas somente quando ela foi para o Alto do Cruzeiro, fui fazer o curso de Letras. A minha mãe precisou de mim quando estava doente, então eu não concluí o quarto ano, por isso eu não tenho a licenciatura plena, tenho só a curta. Formei-me em Letras, ensinei onze anos pelo município, vinte e dois pelo estado e oito pelo Colégio Bom Conselho.

(Texto adaptado e baseado em trecho de ENTREVISTA concedida por I.B.V no ano de 2005, para a realização de Trabalho de iniciação científica (pesquisa)  intitulada “A memória do agreste alagoano a partir da narrativa dos velhos”, realizado por Carlos Henrique Ferreira Nunes (Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL) sob orientação do Prof. Dr. Artur Bispo dos Santos Neto, e financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa de Alagoas (FAPEAL).

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O PRIMEIRO DIA





Todos os dias, lá em casa, acordávamos cedo. Meu pai trabalhava de motorista de taxi; minha mãe costurava roupas por encomenda e fazia sapatilhas de tecido artesanal. A produção era bem pequena, poucas máquinas e equipamentos, poucas ajudantes. Meu pai não se metia nesses serviços, de jeito nenhum. Nós, os filhos, éramos três meninos, e por uma questão de valores “machistas da época” também não nos metíamos com o trabalho da mãe. Mas ajudávamos com alguns trabalhos domésticos. Enfim, a maior parte das tarefas domésticas ficava mesmo por conta da mãe, que através de suas costuras ajudava a complementar a renda familiar, e assim termos algum privilégios, alguns “luxos”, que hoje têm pouca importância, como colocar duas colheres de achocolatado no leite que tomávamos antes de dormir, mas, naquela época em que eu tinha entre 5 e 6 anos fazia muita diferença para mim e meus irmãos.
Eu estava prestes a ingressar no grupo escolar do bairro. Assim era chamada toda escola que tinha do 1° ao 5º ano (na época dizia-se da 1ª à 4ª série). Tinha concluído a escolinha (pré-escolar), que era o preparatório para o ingresso no grupo escolar municipal. Estava ansioso por começar logo o primeiro ano.
Quando minha mãe pedia para eu ir comprar pão, bem cedinho, eu avistava algumas crianças, acompanhadas ou não, mas geralmente em grupos se dirigindo à caminho da escola, que ficava pertinho da minha casa. No caminho ia sentindo os diversos aromas de café, ovos fritos e pães assados que exalava das casas da vizinhança, boa parte amontadas e apertadas umas juntinhas das outras, as casas sequer tinham muros, e eram praticamente idênticas, com portas de madeira envernizadas ou pintadas com tintas coloridas. Só se diferenciavam pelas cores.
Naquele percurso eu ia me perguntando: quando será que estarei estudando ali (Na escola)? Será que irá demorar? E, sinceramente, não via a hora. Eu nunca entendi porque algumas crianças ao chegarem à escola caiam no choro. Choro que, às vezes, durava semanas. Eu nunca tive este problema. Segundo mamãe, eu ficava era insistindo em ir à escola o quanto antes. O que poderia me acontecer lá? A escola é um lugar cheio de crianças, e onde se vai para aprender coisas novas, onde se pode estudar e sonhar em ser o que desejasse, ao menos, era o que eu imaginava.
Lembro-me que nessa época eu gostava muito de assistir desenhos animados, sobretudo, aqueles da Disney: Mickey Mouse, Donald, Pateta, e os desenhos de super-heróis tais como Homem-Aranha, Superman, Batman etc.  Não raro me imaginava um desses heróis a combater o crime. Quem nunca se imaginou? Imaginava-me também sendo um cientista a criar espaçonaves para explorar o universo e sair por aí, e talvez, tal qual Dom Quixote das estrelas, combater monstros e extraterrestres. Também nessa mesma época eu gostava de desenhar. Sobretudo, esses desenhos animados que tanto gostava de assistir.
Eu tinha um tio por parte de mãe, que na época não tinha filhos, e nos dávamos muito bem. Lembro dele reclamar para meu pai porque não nos dava uma pequena mesada. Além disso, meu tio era metido a artista como eu. Aliás, não exatamente como eu. Ele era serigrafista, e entendia mais tecnicamente de desenho industrial.  Ah, meu tio tinha uma pequena oficina de calçados onde fabricava sandálias masculinas de couro de boi – as famosas show-bois – e chuteiras. As melhores da região. Quando eu era garoto nunca precisei comprar uma chuteira, sempre ganhava do meu tio.
Enfim, chegara o grande dia. Meu primeiro dia na nova escola. Meu coração batia acelerado. Tudo era novidade e expectativa. Quem seria minha professora ou professor? Quem seriam meus novos colegas? Eram muitas as novidades e meu coração parecia não se aguentar, batia bem mais acelerado do que o de costume.

Por Carlos Henrique Ferreira Nunes




FOTO NOVELA inspirada no Filme clássico ET

Trabalho realizado pelas alunas do 7° ano "a": Mariana Letícia de Sousa Teles e Letícya Vitória Alves da Costa,  da escola municipal José Pereira Sobrinho (Sítio Baixa do Capim - Arapiraca - AL)



segunda-feira, 25 de março de 2019


QUAL O MELHOR FILME DA MARVEL? PARA MIM SÃO DOIS!

            O universo Marvel conta com milhares de fãs de canto a canto do planeta, isso é certo. No entanto, a questão da predileção (gosto) depende das experiências individuas e grupais pelas quais o sujeito já passou ou está passando. Em outras palavras, cada um receberá as imagens cinematográficas de modo diferente, e portanto, reagirá as mesmas segundo suas próprias expectativas, na medida em que são realizadas ou não pelo enredo e pelo conjunto da obra.
            Para um fã leigo e apaixonado, uma boa história e alguns efeitos especiais já são suficientes para que diga que valeu apena assistir um determinado filme. No entanto, para um especialista, que analisa tecnicamente e artisticamente uma produção cinematográfica, enquanto fruto exatamente da evolução técnica e da combinação de elementos artísticos, cada detalhe é importante: do cenário à trilha sonora, tudo tem que está em harmonia, em sintonia com o enredo e com a proposta do cineasta. Se o filme tinha a intenção de nos fazer rir e ele não o fez, ao menos como se esperava, significa que há problemas a se analisar aí. Igualmente se o filme buscava nos comover, nos fazer ir às lágrimas, e pouco nos comovemos e choramos, seus realizadores, de certo modo, falharam. Mas cada um absorve as imagens de modo diverso.
            Entre os Filmes da Marvel, dos quais considero as sagas de Vingadores, Capitão América, Homem de ferro, Huck e Thor, tenho como prediletos dois: o primeiro, pela seriedade predominante em um enredo bem costurado, no qual temos uma sequência de ações que nos deixa tensos e nos prende na busca de conexão entre os fatos, a saber,  - Capitão América 2: soldado invernal (2014). Nesse filme, que obteve 714,3 milhões USD de bilheteria, temos a agência SHILD como antagonista dos interesses humanistas, e que tem no Soldado invernal (Sebastian Stan) um assassino treinado, que é torturado física e mentalmente para que elimine ativistas políticos e opositores do projeto de dominação fascista da HIDRA, pois, a mesma (SHILD) pretende eliminar todos aqueles que discordam da concepção de sociedade pregada por eles, que para ser pacífica, no entanto, deve subtrair a liberdade das pessoas, o que se assemelha com uma visão nazifascista. Mas ao perceber tais intenções Nick Fury (Samuel L. Jackson) e o capitão Rogers (Chris Evans) entram em cena, com a participação da bela coadjuvante Natasha (Scarlett Johansson) - A viúva negra, que por vezes flerta com Rogers, que no entanto, a evita como se fosse um adolescente tímido.
            Considero o teor crítico e as reflexões que o filme sugere muito interessantes, sobretudo, nos dias atuais de tanta intolerância por parte de algumas pessoas e grupos. Acho interessante ver um filme que aponta a corrupção e a obsessão pelo poder dentro dos próprios órgãos de segurança norte-americanos, pois, sabemos que nada é perfeito, tão pouco as instituições governamentais e humanas.
Pelo motivo oposto, para mim, outro filme que agradou bastante pelos efeitos de ironia, de humor, e que, admitamos, por vezes parecia um tanto forçado, fora exatamente o filme Thor: ragnarok (2017). Com uma bilheteria de 854 milhões USD, no filme de Taika Waititi (diretor) predomina o humor, e confesso que dei muitas risadas. Ele “tirava onda de tudo”, ou quase isso. Os demais personagens também tinha tiradas sarcásticas, a exemplo de seu irmão adotivo (Loki), da guerreira valquíria que vivia embriagada (Tessa Thompson) e do Grão-mestre (Jeff Goldblum), espécie de ditador que aprecia gladiadores lutando a até a morte e dar risadas disso, em mundo que seria literalmente o vaso sanitário do universo, tanto é que chega-se a ele através de um buraco negro apelidado de ânus do demônio. E até mesmo sua irmã, Hela (Cate Blanchett) antagonista (deusa da morte) que estava predestinada a fazer parte de um evento apocalítico no qual o planeta de Odin (Asgard) deixaria de existir, e seu povo teria que procurar outra pátria, terá seus momentos de humor sarcástico, já que é vista como uma personificação da morte.  


            A Missão de Thor (Chris Hemsworth) era exatamente de tentar evitar a catástrofe. Aliás, mesmo em meio ao humor proposto, que torna o filme uma comédia de aventura e não uma aventura com comédia, o conceito de "povo" como algo além da terra prometida, do patriotismo, do heroísmo como virtude colocada a serviço de uma nação, aparecem como emblemáticos, ao menos para expectadores como vocês, atentos não somente a uma sequência de ações realizadas no tempo-espaço. Se você ainda não assistiu estes filmes, alugue, compre, procure na programação de sua TV, mas, não deixe de assistir e tirar suas próprias conclusões. Grande abraço a todos! E que venha Vingadores: ultimato!

(Carlos Henrique Ferreira Nunes)








sábado, 16 de março de 2019


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Obs. Meu nome é Carlos Henrique Ferreira Nunes (ver lattes); Sou graduado em língua portuguesa e língua inglesa (UNEAL) ; com especialização em língua portuguesa e mestrado em Educação (UFAL); e tenho anos de experiência neste trabalho.