terça-feira, 9 de julho de 2019

Escola nossa de cada dia

Aluno: Rodrigo Piccoli Cavalini

      Blém, blém, blém! Tocava pontualmente às cinco e meia aquele sino inoportuno que arrancava sem dó nem piedade nossos sonhos e sono. Com o tempo começou a parecer mais sereno. Na verdade, era ele quem anunciava que mais um dia nascia no colégio interno Salesiano, em Jaciguá, lugarejo que acolheu muitos alfredenses. Levantava avidamente feito lebre, tinha cinco preciosos minutos para arrumar minha cama, calçar aqueles sapatos horríveis e sufocantes, saber que meus pés – sempre foram livres, descalços, que sentiram o orvalho da grama verde e o barro úmido durante toda a infância – ainda não se adaptaram bem a ficar embalados feito um produto.
    Vestia o uniforme e esperava a ordem de sair do dormitório. Ah! Como ainda queria ficar deitado
na minha caminha, que parecia mais aconchegante de manhã! Descíamos em fila, um silêncio profundo e devastador. Reuníamos-nos no pátio em círculo, sentados no chão de pedra polida com as pernas cruzadas, esperando o padre Patriarca chegar. Tão breve – sentíamos sua presença em meio ao círculo de “cordeirinhos” -, ali rezava, catequizava e refletia, o que me fazia recordar o sotaque ítalo-brasileiro de vovô Silvino.
    Certa manhã, a reflexão que fizemos foi sobre nossos medos. Medo? Eu só tinha um, o de escuro; sentimento meio contraditório para quem morava num lugar tão abençoado e iluminado por Deus como minha Nova Estrela do Espírito Santo. Digo “por Deus”, pois não havia postes de iluminação como hoje, fato que me rendeu momentos de pavor:
– Seu Zé, me dá sete roscas?
E lá ia ele com toda a sua habilidade de vendedor, pegava as roscas, grandes e robustas, passava um barbante entre elas e amarrava as pontas. Hoje consigo reconhecer nessa ação uma atitude “ecofuturista”, porque na época eu o achava um tremendo mão de vaca. Quando eu saía da venda, minha missão começava: enfrentar o caminho sombrio, de dar calafrios, da venda à minha bucólica casa. E eu ia em disparada, como cavalo entre os bananais, me atropelando nas orações. Quando chegava em casa, o pé, descalço, estava todo pocado e as unhas, ocas e esbranquiçadas como dentes de alho e serrilhadas como dentes de piranha. Levantei os olhos e ainda pude ouvir o padre dizer que devemos superar nossos medos.
    Blém, blém, blém! O sino das cinco e cinquenta avisava que era hora do delicioso café da manhã: pães saborosos, frutas tropicais, leite que nós mesmos tirávamos das vaquinhas e um café sabor de roça que me levava novamente às manhãs em minha casa:
– Peneira na mão, Luiz?
Sim. Eu e meu irmão Claudenir descambávamos do barranco no pequeno riacho, afluente do nosso rio maior, o Benevente, para começar nossa aventura de coletar peixes, munidos de peneiras feitas de taquara, produzidas por nossas mãos. Era pura emoção ver nossa arte finalizada. No final da manhã tínhamos jundiás, que eram os meus prediletos, não pelo sabor, mas por ter as cores do meu amado Flamengo. Além desses, o balde também abrigava carás, piabas e alguns pequenos, porém saborosos, caranguejos de água doce.
     Após o café da manhã, íamos finalmente estudar: biologia, português, matemática, latim...Às vezes me cansava. Minha sala de aula, bem diferente da de hoje, com alunos participativos; ao contrário, parecíamos múmias confinadas no silêncio, ou melhor, silentium.
    As aulas mais emocionantes da escola eram as de teatro; tínhamos apresentações mensais, e Shakespeare era o meu favorito. Havia também campeonatos de futebol, vôlei, handebol. Eu era um atleta, mas o speedball (jogo em que a bola ficava presa a uma corda fixa a um tronco de carvalho envelhecido) era o de que eu mais gostava.
A escola era realmente boa, mas ficar longe de minha família, das noites de reza na casa de vovô Silvino e das travessuras com os primos foi muito sofrido. Na primeira inacabável semana, eu chorava debaixo do cobertor, sentindo o ardor das lágrimas salgadas de saudade. Contudo, vi que podia fazer novas amizades, que a escola era minha nova família.
     Hoje, vejo com nitidez o quanto a disciplina muda o homem. Ele se torna mais responsável e atento. Ela me ajudou muito em minha inefável infância e em todas as difíceis, porém felizes fases de minha vida.

(Texto baseado na entrevista feita com o senhor de Luiz Claudio Boldrini, 51 anos. Finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa de 2014)

Professora: Silvia Angela Picoli Meneghel
Escola: E. M. E. F. Ana Araújo – Alfredo Chaves (ES)

Obs. Texto usado na oficina: contexto e descrição. 2° semana de julho de 2019.


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