terça-feira, 9 de julho de 2019

Uma história passada a limpo

Aluna: Vitória Vieira dos Santos

     Existem várias maneiras de viajar... Hoje viajarei no tempo, lá no arruado de Utinga, no Município de Rio Largo, no Estado de Alagoas, em um pequeno local da zona rural chamado Gameleira. No ano de 1931 nascia Milton Monteiro da Rosa.
  Nesse lugar morava um povo simples – trabalhadores de uma usina –, onde as casas eram doadas de acordo com o cargo exercido na empresa. Então, você já imagina! Tinha ruas para os endinheirados e para os modestos. Os elitizados recebiam casas grandes e formosas, com jardim na frente e ruas calçadas. Já a moradia dos humildes operários era colada uma nas outras, dividindo uma só parede, com o mesmo modelo. Se você conhecesse a minha residência, não precisaria conhecer a do vizinho. Tínhamos terreno na frente de casa onde plantávamos de tudo o que você imaginar: frutas, verduras, hortaliças... Sem falar dos canaviais e das matas que cercavam esse local. As ruas eram de barro, não tinha esgoto. Inclusive, a minha era uma dessas.
  Naquele tempo acordávamos cedo com um maravilhoso cheirinho de café torrado. Ao tempo que obedecíamos a um ritual que gostaria que fosse eternizado: rezava, pedia a bênção aos meus pais e ia para a escola. No caminho cumprimentava a todos com um “bom-dia”. Eita dia bom!
   Chegando à escola, cumprimentava a professora, pedia licença e ia fazer a lição, já que o ensino era rígido, tudo à base do respeito. O que não me agradava eram as punições aplicadas àqueles alunos que faziam alguma travessura. A mestra colocava de castigo, ajoelhado em grãos de milho e de frente para os colegas, servindo de referência para aqueles que tinham a intenção de bagunçar.
  No entanto, ninguém aprontava para não ocupar aquele lugar. A vida aqui era muito tranquila, nosso relógio era o tempo. Aliás, que tempo! Não tínhamos
pressa, andávamos a pé, a cavalo ou de trem. Esses eram os únicos meios de transporte acessíveis.
A locomotiva funcionava a lenha e nela existiam duas camadas sociais: A e B. Na primeira classe iam os passageiros que tinham condições econômicas, com cadeiras acolchoadas. Já os da outra classe tinham bancos duros e com mais passageiros. Porém, todos chegavam aos seus destinos do mesmo jeito.
   Se bem me lembro, os costumes populares imperavam. As pessoas se conheciam e trocavam experiências sentadas à porta de seus lares. Os mais velhos contavam causos e lendas para os mais jovens e eles repassavam seus ensinamentos.
Brincávamos de boca de forno, o que é o que é, passa anel... Era uma interação só! Idosos, adultos, jovens e crianças, todos numa mesma emoção, que eu diria de diversão coletiva.
  Nessa época também as comemorações eram frequentes. A que mais gosto de lembrar é da Festa da Cana, concurso em que era premiado o povoado que trouxesse a maior cana. Ela deveria ser adubada e conservada para esse grande dia, que acontecia todo mês de dezembro. A usina convidava todas as pessoas dos povoados distantes. A alegria era garantida. Se alguém tentasse atrapalhar essa diversão, era punido na “baiaca”, local fechado, onde o transgressor recebia um banho de mel durante toda a noite. Podia ser até um engomadinho, era baiacado do mesmo jeito
e só libertado no outro dia, todo lambuzado e na hora de o trem passar, para servir de exemplo.
     Ah, se pudesse voltar no tempo... Traria de volta a tranquilidade das brincadeiras sem malícias no rio Mundaú, principal percurso de águas naturais que banha algumas cidades do meu Estado.
    Amava nadar nele, cujas águas eram tão límpidas e transparentes que dava até para contar pedrinhas
debaixo d’água. Enquanto isso, as mulheres lavavam roupas e cantavam músicas que a minha imaginação fluía. Não sabia se viajava em meus pensamentos ou mergulhava no rio de tanta inspiração. Eram sensações maravilhosas, momentos gostosos de liberdade...
   Hoje a modernidade me encanta e também me assusta. Tudo mudou! O trem é transporte igual para todos. Tenho televisão e vejo reportagens sobre a poluição do rio Mundaú e nem acredito que isso aconteceu. Agora sei das horas pelo relógio, vejo e converso com minha filha que está tão longe pelo computador. Coisas que jamais seriam pensadas... Paro e lembro-me de tudo como se fosse hoje...

(Texto baseado na entrevista feita com o senhor Milton Monteiro da Rosa, 62 anos. Texto finalista das Olimpíadas de Língua Portuguesa de 2014).
Professora: Jacira Maria da Silva
Escola: E. E. F. Marieta Leão – Rio Largo (AL)

Texto usado na oficina sobre narração em 1° pessoa e discurso direto! Primeira semana de julho de 2019.


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