quarta-feira, 17 de julho de 2019


RESENHA DO LIVRO: JORGE COOPER – OBRA COMPLETA

JORGE COOPER E SUA SIMPLICIDADE DESCONCERTANTE[1]





 Jorge Cooper com seus versos curtos e poemas igualmente breves, com sua ironia fria e humor ora sério, ora sarcástico, pode ser considerado, sem a menor dúvida, um os maiores poetas de nosso modernismo tardio, e porque não dizer, pós-modernismo.
Se é possível compará-lo a outros poetas contemporâneos, sejam de nossa terra ou estrangeiros, é porque o discurso, como diria Mikhail Bakhtin, tem uma natureza dialógica. Mas por outro lado, é evidente a singularidade intrínseca a natureza estrutural ou seria des-estrutural que se impõe na poética coopernicana. Sua autenticidade advém de seu caráter, de seu jeito poético de ser. O poeta admite em entrevista concedida ao também poeta e jornalista Ricardo Oiticica, que jamais deixou de escrever, mesmo nos momentos difíceis.
Ledo Ivo considera Cooper um vanguardista, um poeta do cotidiano, do tempo presente, e portanto, dos dilemas de nossa vida. Aí percebe-se certo grau de realismo, talvez originado de sua simpatia pelo materialismo histórico de Karl Marx. O tempo representado em sua obra através da memória tátil das experiencias não é o tempo linear e bem calculado, mas antes é o tempo das emoções e sensações vividas e experimentadas pelos sujeitos em contextos reais.
Em Jorge Cooper, nos diz Ledo Ivo “partimos do sonho e da escuridão para a vida real e a claridade”. Sua poesia é um “tapa na cara” Com palavras breves e versos curtos e desconcertantes, com versos brancos e livres liberam a palavra de qualquer amarra, para que cumpram a função de dizer o que tem que ser dito:

Eu sou
nos meus poemas
Eles têm o número exato
de palavras e
o tamanho em que
a inspiração se coube
- Eles são como a clara e a gema
no ovo

(Precisamente assim
como eu caibo em mim)

Sua sonoridade e ritmo vem das assonâncias e consonâncias (repetição de sons vocálicos e consonantais) postas num mesmo verso, ou em versos intercalados, mas que garantem notável peculiaridade. Ele era de fato, como se pode perceber, um poeta liberto de regras. O seu padrão era não ter um padrão. Deixar que a palavra flua sem condicionamentos.
Que pena que este poeta alagoano não tenha tido o real valor reconhecido em vida, mas por outro lado, fiquemos felizes que a academia começa agora a resgatar o trabalho deste poeta por excelência, que fez de suas experiências a matéria viva capaz de fotografar e imortalizar imagens ao mesmo tempo tão cotidianas e atemporais. Vale apena apreciar e valorizar este nosso conterrâneo.

REFERÊNCIAS:
COOPER, Jorge. Poesia Completa. 2° ed. Imprensa Oficial Graciliano Ramos: Maceió, 2011.







terça-feira, 9 de julho de 2019

LIBERDADE

Quando Médici foi à feira deixou a gaiola aberta.
Comprando alpiste se lembrou...
Correu, correu...
E quando chegou: que alívio!
O pássaro ainda se encontrava lá
Em seu poleiro.
Já não lembrava o que é ser livre
Pois nascera em cativeiro.

Livro Cantos Juvenis (Poesias), p.13 - Carlos Henrique F. Nunes


Uma história passada a limpo

Aluna: Vitória Vieira dos Santos

     Existem várias maneiras de viajar... Hoje viajarei no tempo, lá no arruado de Utinga, no Município de Rio Largo, no Estado de Alagoas, em um pequeno local da zona rural chamado Gameleira. No ano de 1931 nascia Milton Monteiro da Rosa.
  Nesse lugar morava um povo simples – trabalhadores de uma usina –, onde as casas eram doadas de acordo com o cargo exercido na empresa. Então, você já imagina! Tinha ruas para os endinheirados e para os modestos. Os elitizados recebiam casas grandes e formosas, com jardim na frente e ruas calçadas. Já a moradia dos humildes operários era colada uma nas outras, dividindo uma só parede, com o mesmo modelo. Se você conhecesse a minha residência, não precisaria conhecer a do vizinho. Tínhamos terreno na frente de casa onde plantávamos de tudo o que você imaginar: frutas, verduras, hortaliças... Sem falar dos canaviais e das matas que cercavam esse local. As ruas eram de barro, não tinha esgoto. Inclusive, a minha era uma dessas.
  Naquele tempo acordávamos cedo com um maravilhoso cheirinho de café torrado. Ao tempo que obedecíamos a um ritual que gostaria que fosse eternizado: rezava, pedia a bênção aos meus pais e ia para a escola. No caminho cumprimentava a todos com um “bom-dia”. Eita dia bom!
   Chegando à escola, cumprimentava a professora, pedia licença e ia fazer a lição, já que o ensino era rígido, tudo à base do respeito. O que não me agradava eram as punições aplicadas àqueles alunos que faziam alguma travessura. A mestra colocava de castigo, ajoelhado em grãos de milho e de frente para os colegas, servindo de referência para aqueles que tinham a intenção de bagunçar.
  No entanto, ninguém aprontava para não ocupar aquele lugar. A vida aqui era muito tranquila, nosso relógio era o tempo. Aliás, que tempo! Não tínhamos
pressa, andávamos a pé, a cavalo ou de trem. Esses eram os únicos meios de transporte acessíveis.
A locomotiva funcionava a lenha e nela existiam duas camadas sociais: A e B. Na primeira classe iam os passageiros que tinham condições econômicas, com cadeiras acolchoadas. Já os da outra classe tinham bancos duros e com mais passageiros. Porém, todos chegavam aos seus destinos do mesmo jeito.
   Se bem me lembro, os costumes populares imperavam. As pessoas se conheciam e trocavam experiências sentadas à porta de seus lares. Os mais velhos contavam causos e lendas para os mais jovens e eles repassavam seus ensinamentos.
Brincávamos de boca de forno, o que é o que é, passa anel... Era uma interação só! Idosos, adultos, jovens e crianças, todos numa mesma emoção, que eu diria de diversão coletiva.
  Nessa época também as comemorações eram frequentes. A que mais gosto de lembrar é da Festa da Cana, concurso em que era premiado o povoado que trouxesse a maior cana. Ela deveria ser adubada e conservada para esse grande dia, que acontecia todo mês de dezembro. A usina convidava todas as pessoas dos povoados distantes. A alegria era garantida. Se alguém tentasse atrapalhar essa diversão, era punido na “baiaca”, local fechado, onde o transgressor recebia um banho de mel durante toda a noite. Podia ser até um engomadinho, era baiacado do mesmo jeito
e só libertado no outro dia, todo lambuzado e na hora de o trem passar, para servir de exemplo.
     Ah, se pudesse voltar no tempo... Traria de volta a tranquilidade das brincadeiras sem malícias no rio Mundaú, principal percurso de águas naturais que banha algumas cidades do meu Estado.
    Amava nadar nele, cujas águas eram tão límpidas e transparentes que dava até para contar pedrinhas
debaixo d’água. Enquanto isso, as mulheres lavavam roupas e cantavam músicas que a minha imaginação fluía. Não sabia se viajava em meus pensamentos ou mergulhava no rio de tanta inspiração. Eram sensações maravilhosas, momentos gostosos de liberdade...
   Hoje a modernidade me encanta e também me assusta. Tudo mudou! O trem é transporte igual para todos. Tenho televisão e vejo reportagens sobre a poluição do rio Mundaú e nem acredito que isso aconteceu. Agora sei das horas pelo relógio, vejo e converso com minha filha que está tão longe pelo computador. Coisas que jamais seriam pensadas... Paro e lembro-me de tudo como se fosse hoje...

(Texto baseado na entrevista feita com o senhor Milton Monteiro da Rosa, 62 anos. Texto finalista das Olimpíadas de Língua Portuguesa de 2014).
Professora: Jacira Maria da Silva
Escola: E. E. F. Marieta Leão – Rio Largo (AL)

Texto usado na oficina sobre narração em 1° pessoa e discurso direto! Primeira semana de julho de 2019.


Escola nossa de cada dia

Aluno: Rodrigo Piccoli Cavalini

      Blém, blém, blém! Tocava pontualmente às cinco e meia aquele sino inoportuno que arrancava sem dó nem piedade nossos sonhos e sono. Com o tempo começou a parecer mais sereno. Na verdade, era ele quem anunciava que mais um dia nascia no colégio interno Salesiano, em Jaciguá, lugarejo que acolheu muitos alfredenses. Levantava avidamente feito lebre, tinha cinco preciosos minutos para arrumar minha cama, calçar aqueles sapatos horríveis e sufocantes, saber que meus pés – sempre foram livres, descalços, que sentiram o orvalho da grama verde e o barro úmido durante toda a infância – ainda não se adaptaram bem a ficar embalados feito um produto.
    Vestia o uniforme e esperava a ordem de sair do dormitório. Ah! Como ainda queria ficar deitado
na minha caminha, que parecia mais aconchegante de manhã! Descíamos em fila, um silêncio profundo e devastador. Reuníamos-nos no pátio em círculo, sentados no chão de pedra polida com as pernas cruzadas, esperando o padre Patriarca chegar. Tão breve – sentíamos sua presença em meio ao círculo de “cordeirinhos” -, ali rezava, catequizava e refletia, o que me fazia recordar o sotaque ítalo-brasileiro de vovô Silvino.
    Certa manhã, a reflexão que fizemos foi sobre nossos medos. Medo? Eu só tinha um, o de escuro; sentimento meio contraditório para quem morava num lugar tão abençoado e iluminado por Deus como minha Nova Estrela do Espírito Santo. Digo “por Deus”, pois não havia postes de iluminação como hoje, fato que me rendeu momentos de pavor:
– Seu Zé, me dá sete roscas?
E lá ia ele com toda a sua habilidade de vendedor, pegava as roscas, grandes e robustas, passava um barbante entre elas e amarrava as pontas. Hoje consigo reconhecer nessa ação uma atitude “ecofuturista”, porque na época eu o achava um tremendo mão de vaca. Quando eu saía da venda, minha missão começava: enfrentar o caminho sombrio, de dar calafrios, da venda à minha bucólica casa. E eu ia em disparada, como cavalo entre os bananais, me atropelando nas orações. Quando chegava em casa, o pé, descalço, estava todo pocado e as unhas, ocas e esbranquiçadas como dentes de alho e serrilhadas como dentes de piranha. Levantei os olhos e ainda pude ouvir o padre dizer que devemos superar nossos medos.
    Blém, blém, blém! O sino das cinco e cinquenta avisava que era hora do delicioso café da manhã: pães saborosos, frutas tropicais, leite que nós mesmos tirávamos das vaquinhas e um café sabor de roça que me levava novamente às manhãs em minha casa:
– Peneira na mão, Luiz?
Sim. Eu e meu irmão Claudenir descambávamos do barranco no pequeno riacho, afluente do nosso rio maior, o Benevente, para começar nossa aventura de coletar peixes, munidos de peneiras feitas de taquara, produzidas por nossas mãos. Era pura emoção ver nossa arte finalizada. No final da manhã tínhamos jundiás, que eram os meus prediletos, não pelo sabor, mas por ter as cores do meu amado Flamengo. Além desses, o balde também abrigava carás, piabas e alguns pequenos, porém saborosos, caranguejos de água doce.
     Após o café da manhã, íamos finalmente estudar: biologia, português, matemática, latim...Às vezes me cansava. Minha sala de aula, bem diferente da de hoje, com alunos participativos; ao contrário, parecíamos múmias confinadas no silêncio, ou melhor, silentium.
    As aulas mais emocionantes da escola eram as de teatro; tínhamos apresentações mensais, e Shakespeare era o meu favorito. Havia também campeonatos de futebol, vôlei, handebol. Eu era um atleta, mas o speedball (jogo em que a bola ficava presa a uma corda fixa a um tronco de carvalho envelhecido) era o de que eu mais gostava.
A escola era realmente boa, mas ficar longe de minha família, das noites de reza na casa de vovô Silvino e das travessuras com os primos foi muito sofrido. Na primeira inacabável semana, eu chorava debaixo do cobertor, sentindo o ardor das lágrimas salgadas de saudade. Contudo, vi que podia fazer novas amizades, que a escola era minha nova família.
     Hoje, vejo com nitidez o quanto a disciplina muda o homem. Ele se torna mais responsável e atento. Ela me ajudou muito em minha inefável infância e em todas as difíceis, porém felizes fases de minha vida.

(Texto baseado na entrevista feita com o senhor de Luiz Claudio Boldrini, 51 anos. Finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa de 2014)

Professora: Silvia Angela Picoli Meneghel
Escola: E. M. E. F. Ana Araújo – Alfredo Chaves (ES)

Obs. Texto usado na oficina: contexto e descrição. 2° semana de julho de 2019.