quarta-feira, 26 de junho de 2019


MEMÓRIAS DE IRENE (1° PARTE)



      Eu sou natural da Lagoa da Canoa. Tive trinta irmãos: vinte e sete já falecidos e três vivos. Minha mãe morreu faz vinte e um anos. Ela é de Alagoas, da cidade de Branquinha. Meu pai só vim conhecer na Lagoa da Canoa. Teve três mulheres, por isso que teve muitos filhos. Minha mãe casou com ele sabendo que  já tinha vinte e seis filhos.  Com um mês de namoro eles casaram. Quando a minha avó morreu ele casou de novo, e ainda teve cinco filhos. 
       Quando a minha irmã casou eu ocupei o lugar dela como professora; eu não era formada ainda, tinha somente o quarto ano primário. Nessa época, o Dr. Coaracy, sobrinho do meu pai, me chamou para eu ser professora primária. Eu disse: "como é que eu posso ser professora, se eu não sou formada?" Então ele disse:  "não, se você gostar"... "Aí eu gostei!"
      Na minha infância, eu me lembro que o meu irmão, José Ferreira Barbosa, que é dono aí dos dois cinemas, me botou para estudar no instituto São Luiz. Com uma semana de estudo o professor Manoel me chamou para fazer um bate papo sobre matemática, aí me perguntou: "Dona Irene, quantos é sete vezes sete?" Eu, no primeiro ano, não acertei quanto era sete vezes sete,  levei um bolo, e fui expulsa só por isso; levei um bolo e fiquei com a mão inchada. Era na base da palmatória.
     Eu era moleca, não me lembro muito bem. Lembro que uma vez um bandido fez um bilhete para o meu cunhado. Ele disse que não dava dinheiro para bandido não, que ele tinha quatro filhos para criar. Se o bandido quisesse dinheiro que fosse trabalhar. Quando foi na outra semana, Maria Bonita entrou no Girau e disse: "Onde é a loja Elos Maurício?" Disseram: "é aquela!" Aí Maria Bonita começou a atirar. Todo mundo foi embora, e ela deu as fazendas todas do meu primo. Disse: "chega povo!". Quem tinha consciência devolveu, quem não, ficou com parte das fazendas dele. Meu primo teve tanto desgosto que escreveu uma carta a Dom José Maurício da Rocha, em Bragança Paulista, e este denunciou ao presidente da República, o Vargas. Uma semana depois a polícia matou o Lampião e a Maria Bonita.
       Quando eu comecei a estudar no Bom Conselho as meninas vinham por aqui, onde hoje é a praça Luiz Pereira Lima, e os meninos pela rua estudante. Eram duas praças: uma masculina e outra feminina; não podia homem e mulher andar juntos. Para entrar no Bom Conselho, o seu Abílio não deixava a gente entrar com unha pintada, nem de laço, tinha que ser todo mundo de farda; a manga comprida com uma gravata e boina somente para as passeatas.
     Passei onze anos como professora, depois me formei, terminei o ginásio, e finalmente me formei normalista. Chegou o colégio das freiras, e eu fiz o quarto ano de normalista lá. Depois o Dr. Moacir trouxe o pedagógico para cá. Então me formei no pedagógico; o primeiro e o segundo ano fiz aqui, já o terceiro eu fui fazer em Bom Conselho, Pernambuco. Posteriormente veio a faculdade. Era na escola Hugo Lima. Eu não fiz faculdade lá.  Mas somente quando ela foi para o Alto do Cruzeiro, fui fazer o curso de Letras. A minha mãe precisou de mim quando estava doente, então eu não concluí o quarto ano, por isso eu não tenho a licenciatura plena, tenho só a curta. Formei-me em Letras, ensinei onze anos pelo município, vinte e dois pelo estado e oito pelo Colégio Bom Conselho.

(Texto adaptado e baseado em trecho de ENTREVISTA concedida por I.B.V no ano de 2005, para a realização de Trabalho de iniciação científica (pesquisa)  intitulada “A memória do agreste alagoano a partir da narrativa dos velhos”, realizado por Carlos Henrique Ferreira Nunes (Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL) sob orientação do Prof. Dr. Artur Bispo dos Santos Neto, e financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa de Alagoas (FAPEAL).

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O PRIMEIRO DIA





Todos os dias, lá em casa, acordávamos cedo. Meu pai trabalhava de motorista de taxi; minha mãe costurava roupas por encomenda e fazia sapatilhas de tecido artesanal. A produção era bem pequena, poucas máquinas e equipamentos, poucas ajudantes. Meu pai não se metia nesses serviços, de jeito nenhum. Nós, os filhos, éramos três meninos, e por uma questão de valores “machistas da época” também não nos metíamos com o trabalho da mãe. Mas ajudávamos com alguns trabalhos domésticos. Enfim, a maior parte das tarefas domésticas ficava mesmo por conta da mãe, que através de suas costuras ajudava a complementar a renda familiar, e assim termos algum privilégios, alguns “luxos”, que hoje têm pouca importância, como colocar duas colheres de achocolatado no leite que tomávamos antes de dormir, mas, naquela época em que eu tinha entre 5 e 6 anos fazia muita diferença para mim e meus irmãos.
Eu estava prestes a ingressar no grupo escolar do bairro. Assim era chamada toda escola que tinha do 1° ao 5º ano (na época dizia-se da 1ª à 4ª série). Tinha concluído a escolinha (pré-escolar), que era o preparatório para o ingresso no grupo escolar municipal. Estava ansioso por começar logo o primeiro ano.
Quando minha mãe pedia para eu ir comprar pão, bem cedinho, eu avistava algumas crianças, acompanhadas ou não, mas geralmente em grupos se dirigindo à caminho da escola, que ficava pertinho da minha casa. No caminho ia sentindo os diversos aromas de café, ovos fritos e pães assados que exalava das casas da vizinhança, boa parte amontadas e apertadas umas juntinhas das outras, as casas sequer tinham muros, e eram praticamente idênticas, com portas de madeira envernizadas ou pintadas com tintas coloridas. Só se diferenciavam pelas cores.
Naquele percurso eu ia me perguntando: quando será que estarei estudando ali (Na escola)? Será que irá demorar? E, sinceramente, não via a hora. Eu nunca entendi porque algumas crianças ao chegarem à escola caiam no choro. Choro que, às vezes, durava semanas. Eu nunca tive este problema. Segundo mamãe, eu ficava era insistindo em ir à escola o quanto antes. O que poderia me acontecer lá? A escola é um lugar cheio de crianças, e onde se vai para aprender coisas novas, onde se pode estudar e sonhar em ser o que desejasse, ao menos, era o que eu imaginava.
Lembro-me que nessa época eu gostava muito de assistir desenhos animados, sobretudo, aqueles da Disney: Mickey Mouse, Donald, Pateta, e os desenhos de super-heróis tais como Homem-Aranha, Superman, Batman etc.  Não raro me imaginava um desses heróis a combater o crime. Quem nunca se imaginou? Imaginava-me também sendo um cientista a criar espaçonaves para explorar o universo e sair por aí, e talvez, tal qual Dom Quixote das estrelas, combater monstros e extraterrestres. Também nessa mesma época eu gostava de desenhar. Sobretudo, esses desenhos animados que tanto gostava de assistir.
Eu tinha um tio por parte de mãe, que na época não tinha filhos, e nos dávamos muito bem. Lembro dele reclamar para meu pai porque não nos dava uma pequena mesada. Além disso, meu tio era metido a artista como eu. Aliás, não exatamente como eu. Ele era serigrafista, e entendia mais tecnicamente de desenho industrial.  Ah, meu tio tinha uma pequena oficina de calçados onde fabricava sandálias masculinas de couro de boi – as famosas show-bois – e chuteiras. As melhores da região. Quando eu era garoto nunca precisei comprar uma chuteira, sempre ganhava do meu tio.
Enfim, chegara o grande dia. Meu primeiro dia na nova escola. Meu coração batia acelerado. Tudo era novidade e expectativa. Quem seria minha professora ou professor? Quem seriam meus novos colegas? Eram muitas as novidades e meu coração parecia não se aguentar, batia bem mais acelerado do que o de costume.

Por Carlos Henrique Ferreira Nunes




FOTO NOVELA inspirada no Filme clássico ET

Trabalho realizado pelas alunas do 7° ano "a": Mariana Letícia de Sousa Teles e Letícya Vitória Alves da Costa,  da escola municipal José Pereira Sobrinho (Sítio Baixa do Capim - Arapiraca - AL)



segunda-feira, 25 de março de 2019


QUAL O MELHOR FILME DA MARVEL? PARA MIM SÃO DOIS!

            O universo Marvel conta com milhares de fãs de canto a canto do planeta, isso é certo. No entanto, a questão da predileção (gosto) depende das experiências individuas e grupais pelas quais o sujeito já passou ou está passando. Em outras palavras, cada um receberá as imagens cinematográficas de modo diferente, e portanto, reagirá as mesmas segundo suas próprias expectativas, na medida em que são realizadas ou não pelo enredo e pelo conjunto da obra.
            Para um fã leigo e apaixonado, uma boa história e alguns efeitos especiais já são suficientes para que diga que valeu apena assistir um determinado filme. No entanto, para um especialista, que analisa tecnicamente e artisticamente uma produção cinematográfica, enquanto fruto exatamente da evolução técnica e da combinação de elementos artísticos, cada detalhe é importante: do cenário à trilha sonora, tudo tem que está em harmonia, em sintonia com o enredo e com a proposta do cineasta. Se o filme tinha a intenção de nos fazer rir e ele não o fez, ao menos como se esperava, significa que há problemas a se analisar aí. Igualmente se o filme buscava nos comover, nos fazer ir às lágrimas, e pouco nos comovemos e choramos, seus realizadores, de certo modo, falharam. Mas cada um absorve as imagens de modo diverso.
            Entre os Filmes da Marvel, dos quais considero as sagas de Vingadores, Capitão América, Homem de ferro, Huck e Thor, tenho como prediletos dois: o primeiro, pela seriedade predominante em um enredo bem costurado, no qual temos uma sequência de ações que nos deixa tensos e nos prende na busca de conexão entre os fatos, a saber,  - Capitão América 2: soldado invernal (2014). Nesse filme, que obteve 714,3 milhões USD de bilheteria, temos a agência SHILD como antagonista dos interesses humanistas, e que tem no Soldado invernal (Sebastian Stan) um assassino treinado, que é torturado física e mentalmente para que elimine ativistas políticos e opositores do projeto de dominação fascista da HIDRA, pois, a mesma (SHILD) pretende eliminar todos aqueles que discordam da concepção de sociedade pregada por eles, que para ser pacífica, no entanto, deve subtrair a liberdade das pessoas, o que se assemelha com uma visão nazifascista. Mas ao perceber tais intenções Nick Fury (Samuel L. Jackson) e o capitão Rogers (Chris Evans) entram em cena, com a participação da bela coadjuvante Natasha (Scarlett Johansson) - A viúva negra, que por vezes flerta com Rogers, que no entanto, a evita como se fosse um adolescente tímido.
            Considero o teor crítico e as reflexões que o filme sugere muito interessantes, sobretudo, nos dias atuais de tanta intolerância por parte de algumas pessoas e grupos. Acho interessante ver um filme que aponta a corrupção e a obsessão pelo poder dentro dos próprios órgãos de segurança norte-americanos, pois, sabemos que nada é perfeito, tão pouco as instituições governamentais e humanas.
Pelo motivo oposto, para mim, outro filme que agradou bastante pelos efeitos de ironia, de humor, e que, admitamos, por vezes parecia um tanto forçado, fora exatamente o filme Thor: ragnarok (2017). Com uma bilheteria de 854 milhões USD, no filme de Taika Waititi (diretor) predomina o humor, e confesso que dei muitas risadas. Ele “tirava onda de tudo”, ou quase isso. Os demais personagens também tinha tiradas sarcásticas, a exemplo de seu irmão adotivo (Loki), da guerreira valquíria que vivia embriagada (Tessa Thompson) e do Grão-mestre (Jeff Goldblum), espécie de ditador que aprecia gladiadores lutando a até a morte e dar risadas disso, em mundo que seria literalmente o vaso sanitário do universo, tanto é que chega-se a ele através de um buraco negro apelidado de ânus do demônio. E até mesmo sua irmã, Hela (Cate Blanchett) antagonista (deusa da morte) que estava predestinada a fazer parte de um evento apocalítico no qual o planeta de Odin (Asgard) deixaria de existir, e seu povo teria que procurar outra pátria, terá seus momentos de humor sarcástico, já que é vista como uma personificação da morte.  


            A Missão de Thor (Chris Hemsworth) era exatamente de tentar evitar a catástrofe. Aliás, mesmo em meio ao humor proposto, que torna o filme uma comédia de aventura e não uma aventura com comédia, o conceito de "povo" como algo além da terra prometida, do patriotismo, do heroísmo como virtude colocada a serviço de uma nação, aparecem como emblemáticos, ao menos para expectadores como vocês, atentos não somente a uma sequência de ações realizadas no tempo-espaço. Se você ainda não assistiu estes filmes, alugue, compre, procure na programação de sua TV, mas, não deixe de assistir e tirar suas próprias conclusões. Grande abraço a todos! E que venha Vingadores: ultimato!

(Carlos Henrique Ferreira Nunes)








sábado, 16 de março de 2019


REVISE COMIGO!


Olá, Tudo bem? Se você precisar de um profissional para revisar seus textos acadêmicos ou artísticos, ou mesmo para a formatação de seu trabalho, por favor, é só entrar em contato comigo e fazemos um orçamento com um valor justo! Desde já agradeço a atenção, e se precisar pode me enviar um e-mail (henriqueprocampo@gmail.com) ou entrar em contato via whatsapp  (82) 998372099.

Obs. Meu nome é Carlos Henrique Ferreira Nunes (ver lattes); Sou graduado em língua portuguesa e língua inglesa (UNEAL) ; com especialização em língua portuguesa e mestrado em Educação (UFAL); e tenho anos de experiência neste trabalho.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018


Resenha do Romance Senhora de José de Alencar

 Por Prof. Ms. Carlos Henrique Ferreira Nunes[1]

         Senhora é um romance escrito no século XIX, pelo escritor romântico, José de Alencar. Trata-se da saga de uma heroína: algo pouco comum naquela época na qual imperava o machismo na sociedade brasileira do período imperial.
O romance se divide em quatro partes que simbolizam transações financeiras, e portanto, o ambiente no qual a obra foi desenvolvida - a corte carioca do período imperial, formada por uma aristocracia com aspiração à classe burguesa. Aliás, o romance em questão figura como urbano ou de costumes, retratando exatamente o pensamento aristocrata e burguês naquele instante histórico. Com poucos personagens de destaque, pode-se afirmar que todo o enredo gira em torno do casal Aurélia Camargo e Fernando Seixas.
 A protagonista da narrativa (Aurélia Camargo) era uma menina pobre, criada apenas pela mãe, pois seu pai havia morrido e sua mãe nunca fez questão de procurar a família dele, pois sua união não era bem vista pelas diferenças de classe social. No auge de sua adolescência e com uma beleza fascinante, a jovem despertava interesse em muitos solteiros disponíveis na cidade do Rio de Janeiro, em especial, o jovem e ambicioso Fernando Seixas, que chega a noivar com nossa heroína.
 No entanto, o compromisso foi rompido quando Fernando recebe uma proposta para casar-se com uma moça da sociedade pela quantia de uma dote de 30 mil contos de réis. E assim o fez, abandona a pobre Aurélia. Mas o destino de repente a surpreende: recebe a notícia de que seu avô paterno havia falecido, e não tendo herdeiros, toda a sua fortuna lhe cai nas mãos. Torna-se-ia não só a mais bela, mas, também a mais rica moça em disponibilidade da corte.
A partir daí, suas idas às festas eram rodeadas de candidatos a lhe desposar. Porém, a bela Aurélia não era nada ingênua, sabia muito bem administrar seus bens e fortuna, e observava com desprezo todos aquele homens oportunistas que certamente buscavam ascensão através sua beleza e riqueza. A protagonista ironizava e dizia-lhes na “cara” o quanto valiam, ou quanto poderia pagar de dote para se casar.  
Apesar dos flertes constantes, a jovem nunca havia tirado de seu pensamento seu ex-noivo – Fernando Seixas. Este, no entanto, ainda não havia se casado, mas sim encontrava-se noivo de outra moça – Adelaide Amaral. Através de seu tio e tutor, o Sr. Lemos, Aurélia faz uma contraproposta: que Fernando deixasse Adelaide para se casar com uma moça rica da sociedade(ela própria), sem que, no entanto, ele soubesse de quem se tratava: algo que somente lhe seria revelado diante do altar. E assim acontece, o jovem ambicioso aceita o trato pela quantia de 100 mil contos de réis, dos quais de imediato adianta 20 mil para pagar dívidas urgentes.
O casamento acontece, mas somente no papel, durante longos meses Aurélia Camargo exige de Fernando a respeite diante do público e nos  meios sociais, no entanto, no interior de sua casa tratam-se como estranhos. A indiferença de Aurélia, e o fato de desta ficar lembrando insistentemente  o fato de que o rapaz de vendeu por duas vezes seguidas o machuca por dentro. A dor tem um efeito catártico (de transformação do personagem), que o faz aos poucos mudar seu caráter: começa a trabalhar e juntar dinheiro para tentar se tornar independente da esposa, e assim lhe devolver a quantia adquirida com o dote. Evidente que sendo um romance romântico tudo dá certo no cair do pano: o sofrimento é transformado em alegria; a dor do casal em felicidade completa.
Ainda assim, vale a pena re-visitar este clássico. Na minha modesta opinião, o melhor romance de Alencar. Teria minhas críticas a fazer, no entanto, devemos ter em conta a época, o contexto histórico e a formação do autor para compreender a ausência de personagens negros (naquele momento oficialmente escravos); as personalidades um tanto simplistas demais e delineadoras de clichês que vão desamarrando um enredo no qual já se prever o fim. Apesar disso, a análise estética e literária aponta para recursos preciosos em seu estilo, como uma linguagem poética inscrita em sua narrativa, bem como as representações pré-realistas das tradições e a cultura na corte como similares a realidade na qual se vivia no Rio de Janeiro no período imperial. Além disso, é a própria protagonista através  lances irônicos que nos garante uma certa diversão e leveza ao tom discursivo do texto.
Aurélia encarna a típica heroína romântica e moderna, cuja a grande tarefa é emancipar-se dos desmandos de seu tutor e do marido para tornar-se algo além de um objeto, ou seja, sujeito e senhora capaz de determinar para si qual seu futuro.

REFERÊNCIA:


ALENCAR. José de. Senhora/ Iracema. Clássicos Scipione. (Textos integrais). Introdução e comentários de José de Nicola. 1º ed. São Paulo: 2003.





[1] Graduado em Letras português/ inglês pela Universidade Estadual de Alagoas(UNEAL); especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Barão de Mauá – SP; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL); professor da rede pública municipal de Arapiraca.


quarta-feira, 21 de novembro de 2018


RESENHA DO LIVRO HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS DE EDGAR ALLAN POE

Por Carlos Henrique Ferreira Nunes[1]

            Trata-se de um livro muito bom, que teve como tradutora e adaptadora nada menos que a escritora Clarice Lispector; aquela mesma, que escreveu A hora da estrela, Felicidades Clandestina, Laços de Família e tantas outras obras fantásticas de nossa literatura moderna em sua terceira fase. Este livro, como já mencionado, fora adaptado com o propósito de tornar o texto de Poe, de certo modo, mais adequado ao público infanto-juvenil para que este tivesse contato com um gênero que talvez hoje seja mais explorado e tenha muitos adeptos, mas que até então, voltava-se mais aos clássicos ou histórias de aventura, falo do gênero contos de terror e mistério.
            Bem, o próprio autor, Edgar A. Poe, tem sua vida marcada pelo mistério e por uma atmosfera sombria, pois tal qual acontecia com muitos escritores do período romântico, a melancolia e a morte sempre o acompanharam, sobretudo, quando estas vem impactadas por circunstâncias tais como a doença e morte de sua mãe, o desaparecimento de seu pai; a morte prematura de sua esposa; o vício do álcool e do ópio, a boemia típica dos intelectuais do séc. XIX (Século do romantismo e do mal-do-século, que era a tuberculose). Este escritor norte-americano nascido em Boston em 1809, foi e é até hoje, considerado um percursor das histórias de terror, suspense e investigação policial, tendo inspirado dezenas e milhares de outros autores, ao teatro e ao cinema, que tem no investigador Dupin certamente a montagem estrutural de um personagem típico das histórias de investigação policial que se assiste hoje em seriados na TV.
            O livro inicia com uma introdução escrita por nada menos que o poeta Charles Baudelaire, ícone da poesia lírica moderna francesa e universal, na qual admite a respeito de Poe que o seu “(...) vasto saber, o conhecimento de várias línguas, os sólidos estudos, as ideias colhidas em diversas viagens por outros países faziam de sua palavra um ensinamento incomparável (...)”. A obra conta com uma seleção de 18 contos distribuídos ao longo de 161 páginas. Para mim é difícil escolher os melhores: são todos, a seu modo, espetaculares. Mas gostaria de registrar a importância pessoal de dois deles, pois, estes me serviram de inspiração e base para a produção de duas adaptações teatrais, a saber, são os contos O gato preto, cuja a imagem do felino ilustra a capa deste livro publicado pela Editora Ediouro em 2005; e o outro, intitula-se Nunca Aposte a cabeça com o Diabo. Além da tensão psicológica típica de seus contos, com estes dois em particular pode-se visualizar bem as ações. Então, a partir da organização de um roteiro e adaptação textual da prosa (narrativa) para o discurso direto e dialogado do teatro pôde-se pôr em ação no palco seus personagens. No entanto, ressaltamos que alguns personagens tiveram seus nomes criados para adaptação, pois na maioria dos contos de Poe estes não têm seus nomes mencionados. Além disso, sabe-se que os contos têm por característica o fato de possuírem poucos personagens, assim a ação é bastante focada em torno de um único acontecimento, bem diferente do romance, que pode variar na quantidade de personagens e narrativas que se entrecruzam na obra (BAKHTIN, M. 2002).
            Importante destacar nesta obra, o que a torna indispensável à leitura, é também o fato de nela está presente uma obra-prima, exatamente a que compõe as histórias de investigação policial que terão como grande figura o investigador Dupin; trata-se de Os crimes da rua Morgue. Esta narrativa um pouco mais longa do que as demais, mas não menos interessante, na qual nosso detetive vai no encalço de um assassino em série, responsável por mortes misteriosas. A maioria dos contos é curto, no entanto, são bastante densos e exigem de nós uma imaginação criativa para produzir determinadas imagens, nas quais, mesmo o seu autor tendo escrito há tanto tempo não perdem seu vigor e atualidade. Poe, assim como grandes escritores da envergadura de Shakespeare puderam através de seus personagens colocar lado a lado ficção e realidade, e desse modo, nos colocar também diante de um espelho para encarar frente a frente nossos medos, angústias, nossas fraquezas, e com elas a possibilidade de refletirmos diante da fragilidade humana e de sua inclinação para o mal.
Com narrativas ora em primeira pessoa, ora em terceira pessoa, mas que mantem igual realismo, uma das características mais interessantes que constituem a narrativa de Poe é que esta (propositalmente) nunca nos deixa claro se os fatos ali ocorridos são em consequência de algo sobrenatural (intervenção do Diabo ou de Deus) ou simplesmente seriam os frutos ou as flores do mal[2] colhidas por aqueles que as plantaram. Todos os seus personagens têm em comum uma terrível obsessão por algo: animais, jogos, bebidas, mulheres, dinheiro. Não importa o vício, podemos tirar como lição de suas obras que, seja qual for o vício (obsessão), quando este é levado às últimas consequências o resultado é sempre trágico. E quantas vezes nós, em algum momento da vida, ou agora mesmo não nos prendemos de modo “cego” a algo? Vale muito apena ler este livro, sempre que o lemos descobrimos detalhes que só a maturidade e o passar do tempo nos revelará com mais clareza.

REFERÊNCIAS:
Poe, Edgar A. Histórias extraordinárias. Tradução e adaptação de Clarice Lispector. (Clássicos para o jovem leitor). Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 6° Ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes: 2011.




[1] Graduado em Letras português/ inglês pela Universidade Estadual de Alagoas(UNEAL); especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Barão de Mauá – SP; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL); professor da rede pública municipal de Arapiraca.
[2] Consequências do caos da vida moderna: consumismo, desemprego, guerras, egocentrismo etc. Este é o título do livro de poesia de Charles Baudelaire, escrito em Paris – capital do capitalismo moderno no século XIX.